As redes sociais, atualmente, têm papel de destaque na vida de todos. Em especial na vida de crianças e adolescentes, que já nascem inseridos em um contexto totalmente diferente dos pais ou parentes mais velhos. Com isso, fica a dúvida sobre como tais redes têm moldado a formação dessas crianças e adolescentes. E como a escola pode ajudar nessa função. O iG conversou com especialistas para descobrir como a escola pode ajudar no processo de formação digital dos mais jovens. Confira.
Uma pesquisa realizada pela instituição de saúde pública do Reino Unido, o Royal Society for Public Health, em parceria com o Movimento de Saúde Jovem, mostrou que 90% das pessoas, entre 14 e 24 anos, usam redes sociais, mais do que qualquer outro grupo etário.
Ao mesmo tempo, as taxas de ansiedade e depressão nessa parcela da população aumentaram 70% nos últimos 25 anos. O estudo mostrou, por exemplo, que o compartilhamento de fotos pelo Instagram impacta negativamente o sono, a autoimagem e a aumenta o medo dos jovens de ficar por fora dos acontecimentos e tendências, caso não sigam os padrões que aparecem por lá.
A exposição da “vida perfeita” compartilhada nas redes sociais faz com que os jovens possam desenvolver expectativas irreais sobre suas próprias vidas. Esse perfeccionismo, atrelado à baixa autoestima, pode desencadear sérios problemas de ansiedade.
O especialista em educação midiática Márcio Gonçalves acredita que a escola tem um papel crucial para ensinar aos jovens todas as nuances do mundo digital, tanto as positivas quanto as negativas.
“As escolas públicas e privadas, a partir de agora, devem investir na criação de um currículo que valorize a competência da cultura digital. É uma indicação orientada pela Base Nacional Comum Curricular. Os estudantes devem perceber que o ambiente da internet é mais que um espaço para entretenimento”, afirma Márcio Gonçalves.
A professora de tecnologias digitais no Mackenzie, Ana Lúcia de Souza Lopes, comenta que, “diferentemente de outras gerações, as crianças têm habilidades e facilidades com o manuseio de dispositivos móveis e tecnológicos e isto impacta suas relações com o mundo e com a quantidade de informações que recebem e acessam a todo o instante”.
E completa: “Por esta razão a educação digital, enquanto concepção, é muito importante – pois se consome e se produz mídia muito mais fora da escola do que nela própria e por isso a família e outros ambientes sociais também são importantes – para que os estudantes possam ter uma posição crítica e consciente sobre o uso de recursos digitais, e que possam aprender a usar tais recursos para potencializar seus processos de aprendizagem”.
O uso em excesso e seus perigos
Para o psiquiatra Eduardo Tancredi, as redes sociais
podem acentuar problemas sociais e gerar grandes impactos na vida de qualquer pessoa, dentre eles: a ansiedade, depressão e dependência.
“Há uma clara relação entre o uso excessivo de redes sociais, jogos violentos e aplicativos de filmes e séries com o surgimento de sintomas de depressão, ansiedade patológica, isolamento social e privação de sono. Na juventude, o excesso de tecnologia faz com que o indivíduo passe a maior parte do tempo interagindo virtualmente, o que afeta o desenvolvimento e faz perder outras experiências sociais importantes”, afirma o psiquiatra.
E complementa: “O uso em excesso das redes sociais traz algumas consequências, como, por exemplo, crianças e adolescentes cada vez mais ansiosos e desejando ser aquilo que não são. Se espalhando em vidas de pessoas que fogem da sua realidade”, comenta o psiquiatra.
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Catarina Decome Poker, docente de psicologia, avalia que as redes sociais tem impacto não apenas social, mas também químico na cabeça das crianças. "Do ponto de vista químico, o excesso de exposição às mídias sociais pode provocar reações semelhantes à um quadro de estresse á longo prazo, uma vez que o uso contínuo e prolongado aumenta significativamente a produção de dopamina e a adrenalina – hormônios que se desregulados podem causar danos à saúde física e mental".
Como a escola pode lidar com o assunto?
Para Ana Lúcia, é necessário promover uma discussão interdisciplinar nas escolas, que passam a ensinar de maneira crítica sobre o assunto e apresenta ferramentas que vão além das redes socias, para formar pessoas críticas quanto o conteúdo apresentado.
“É importante trazer a discussão e ampliar as possibilidades de conscientização que os jovens podem ter sobre cultura digital, convergência de mídias e das redes sociais. É importante compreender que a cultura digital, em especial na educação, é muito mais do que as redes sociais. Elas têm um impacto grande, mas é importante oferecer aos jovens outras possibilidades de interação com linguagens que lhes são tão familiares para impulsionar novas aprendizagens”.
Para Márcio Gonçalves, se os jovens compreenderem como essa produção de conteúdo acontece, eles serão capazes de desenvolver um pensamento crítico diante da informação que consomem.
“O ambiente das redes digitais permitiu que acompanhássemos bem mais de perto o cotidiano de pessoas que vivem de fachada nos seus perfis na internet. Os chamados influenciadores digitais, muitas vezes, estampam realidades que um indivíduo comum não teria a chance de experimentar. É preciso mostrar para as pessoas que esses influenciadores recebem apoio e patrocínios de determinadas marcas. Há, quase sempre, interesses de venda por trás do conteúdo que acessamos. A escola tem o papel de apresentar como essas construções de conteúdo se dão”.
Já Catarina Decome Poker avalia que as ações para ensinar sobre os perigos do cyberbullyig podem ser um caminho a ser seguido, já que muitas vezes os números negativos quanto ao uso das redes sociais tão precocemente estão assossiados ao problema.
"Penso que as instituições de ensino podem trabalhar por meio de projetos de prevenção e orientação ao uso na internet, em especial, quanto ao cyberbullying - promovendo ações de respeito à diversidade e pluralidade e elaborando um conjunto de ações para casos que, porventura, possam ocorrer. Uma vez que, cyberbullying pode afetar significativamente a autoimagem e autoconfiança da vítima pelos sentimentos de vergonha e vexação", afirma.
Outro lado
Para Ana Lúcia, porém, pensar na educação crítica desses jovens é fundamental, não apenas nas escolas como também em casa, para que se possa conviver com tais recursos de maneira saudável, estabelecendo espaços de diálogo e de conscientização.
“É importante ser críticos para olhar de frente para o problema e colocá-lo numa dimensão adequada. As redes sociais são um recurso da cultura digital e devemos olhar sobre o que ela é. Neste sentido, é muito importante ter cuidado com a superexposição de crianças e jovens a esse tipo de “sociedade”, pois isso molda comportamentos, ditam moda, mas não é nada diferente do que a mídia fez ao longo da história com propagandas, comerciais e outros artifícios, que inclusive trabalham com mensagens subliminar”.
“O que temos agora é algo que se propaga de uma forma muito veloz e é necessário que os pais estejam atentos a si próprios, às crianças e jovens, pois é fora da escola que vivenciam as narrativas em rede. E esse fenômeno afeta a sociedade como um todo”, completa.