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Alunos  da Universidade São Judas Tadeu - administrada desde 2014 pela Ânima Educação - e de outras universidades do grupo educacional se articulam pelas redes sociais para denunciar as instituições por supostamente utilizar o período de isolamento social, em decorrência do novo coronavírus (Sars-cov-2), para implantar mudanças na grade curricular, de forma pouco transparente, com o objetivo lucrar com eventuais demissões  e com a redução da carga horária em sala de aula.


Dentre as diversas críticas endereçadas às universidades, os alunos apontam o que seria uma posição incoerente de um dos responsáveis por gerir o grupo Ânima, o cofundador e presidente do conselho da instituição, Daniel Castanho, que também é um dos líderes do movimento " Não Demita ".

O grupo Ânima está entre as empresas idealizadoras do movimento "Não Demita", uma iniciativa apoiada por mais de 4 mil empresas que têm o intuito de preservar os empregos durante a crise do novo coronavírus (Sars-Cov-2). O acordo da primeira fase do projeto previa a garantia dos empregos pelo prazo de 60 dias, que se encerrou no dia 31 de maio. 

Na última semana, passaram a circular nas redes sociais denúncias de movimentos de alunos das universidades geridas pela Ânima, como #RecuaÂnima e #ReduzSãoJudas, sobre o início de um suposto processo de demissão em massa.

Prints de e-mails, de cartas de indignação e de conversas entre alunos e professores comprovam o desligamento dos docentes. Os estudantes atribuem este processo à uma reformulação da grade curricular dos cursos das instituições, com o intuito agrupar as disciplinas e gerar redução de despesas a partir das demissões. 

SÃO JUDAS DEMITE PROFESSORES "A USJT prega a excelência de ensino mas a situação não é essa. O descaso com alunos sempre...

Publicado por São Paulo da Depressão em  Quinta-feira, 25 de junho de 2020


A estudante do 5º semestre do curso de psicologia da Universidade São Judas no campus Mooca, Stella Klink Giampietro aponta que a liderança de Daniel na condução da iniciativa "Não Demita" representa uma contradição, já que as universidades do grupo Ânima estariam passando por processo de demissão de professores poucos dias depois de expirar o compromisso de não reduzir os quadros de funcionários.

Diante da publicação de um professor que anuncia o seu desligamento da Universidade São Judas em uma rede social, a aluna questiona "cadê o #NãoDemita nessas horas?"

A aluna diz ainda que Daniel não foi transparente durante uma entrevista concedida ao canal ZRG do Youtube, no dia 16 abril, ao anunciar uma parceria firmada com a empresa Vivo.

O presidente do conselho da Ânima declarou que "fizemos uma parceria com as telefônicas. A primeira foi a Vivo, onde a gente deu 5GB para todos os alunos e 5GB para todos os professores. Hoje todos os alunos estão tendo aulas à noite no horário em que seria a aula dele".

Stella diz que a declaração não retrata a realidade da parceria e tem o intuito de promover indevidamente a instituição, uma vez que é necessário ser cliente da Vivo para se beneficiar da campanha que garante 5GB de bônus para os usuários, condição que não foi apresentada por Daniel durante a entrevista.

O aluno que não for cliente da Vivo e quiser utilizar os serviços deverá desembolsar a quantia de R$ 54,90 para contratar um plano anual.

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Banner oficial de divulgação da parceria entre a Universidade São Judas Tadeu e a Vivo


Demissão em massa

Segundo os alunos, uma nova grade curricular proposta pela Univerisdade São Judas Tadeu tem o objetivo de diminuir as despesas com professores - contratados em regime de hora/aula -, já que o novo modelo transfere 10% da carga horária das disciplinas para extensões.

“A Ânima, assim como todos as outras instituições neoliberais, só visa o lucro. Quando ela entrou houve uma demissão em massa de professores e é justamente o que vai acontecer de novo com esse novo modelo que querem implantar”, diz Stella.

As demissões narradas por Stella ocorreram em julho de 2019 e contaram, até mesmo, com uma ação de dissídio coletivo junto ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) protocolada pelo Sindicato dos Professores de São Paulo (SinproSP).

A aluna conta que teve quatro professores demitidos em um intervalo de 2 anos cursando a graduação, dentre eles estavam dois professores responsáveis por orientá-la no desenvolvimento do projeto de iniciação científica. As duas demissões teriam ocorrido no intervalo de um semestre.“Eu tive que procurar professor fora da faculdade para isso [terminar o projeto]", diz.

Dentre os professores expostos em publicações do Reduz São Judas está Matheus Harren Faliven, doutor em direito penal pela USP (Universidade de São Paulo), que ministrou aulas na campus da Mooca até o dia 24 de junho, quando foi desligado e decidiu publicar um vídeo para comunicar os alunos.

Matheus afirma que não sabe quais são os motivos da sua demissão porque não questionou a universidade e defende que a coordenadoria foi respeitosa ao desligá-lo do corpo docente. Ele afirma que soube de outras demissões, mas que não pode atestar sobre este fato porque não eram colégas próximos.

“Faz parte, é uma empresa que tem custos, tem essse momento ruim, por mais que eu seja um professor querido pelos alunos eles podem ter os motivos deles, então nem questionei”, afirma o ex-professor. 

Matheus defende que já passou por mudanças de grades curriculares em outras instituições de ensino e reconhece que "quando tem uma mudança de grade é necessário uma readequação do corpo docente, porque algumas matérias passam a não existir mais", afirma.

"Por isso, sempre que você tem uma mudança profundas de grade, como foi essa, a tendência das instituições, de forma geral, é ter demissão, por conta da grade nova ser feita por questões econômicas. Isso é normal, faz parte de uma noção mais empresarial na administração das universidades e é uma tendência do mercado", opina o professor.

Ele diz que uma característica desse novo tipo de grade é reter professores com mais horas/aula e dispensar os que não podem se dedicar ao projeto. Ele diz não ser capaz de avaliar o novo modelo da universidade pois não lecionou na nova grade.

"No caso do direito [a avaliação] virá daqui quatro ou cinco anos, quando tiver [exame da] OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) desses alunos ou quando eles começarem a entrar no mercado. Não tem como a gente ter certeza agora se essa grade é boa ou ruim", afirma.  

No entanto, Matheus defende que a implementação do modelo de unidade curricular, que agrupa disciplinas teóricas e práticas, "tem que ser muito bem executado para dar certo".

"O normal do direito é você ter primeiro a teoria e depois a prática, quando você coloca as duas coisas juntas ao mesmo tempo acaba tendo que fazer muito bem feito para isso dar certo e o aluno não se perder", complementa.

Matheus conclui com a interpretação de que não é incoerente a posição da São Judas de demitir professores, mesmo sendo integrante do movimento Não Demita. O professor relembra que a campanha foi válida por 60 dias. "Se a situação econômica está ruim eles não têm muito o que fazer", argumenta. 

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Movimento de alunos

Para o movimento Reduz São Judas, criado por alunos da universidade para diminuir o valor da mensalidade no período de isolamento social, as demissões não deveriam ser feitas.  

Desde que foram anunciadas as mudanças das grades curriculares dos cursos, o movimento segue desde o dia 24 de junho compartilhando postagens de professores que foram demitidos pela instituição. Os alunos que organizam o movimento atribuem o início das demissões às alterações do currículo.

“Foram totalmente oportunistas [ao implantar a mudança na quarentena]. Eles alegam que essa alteração não é de agora, que tem todo um projeto e já faz muito tempo que eles estão planejando, mas quando a gente questiona isso, por que só agora a gente foi avisado, eles sempre desviam do assunto", afirma a aluna Sofia Rocato Lopes do 5º semestre do curso psicologia no campus Mooca.

"É muito óbvio que foi por causa disso, na quarentena não tem como a gente se movimentar de uma forma mais efetiva. Vai enfraquecer e dificultar tudo que a gente for fazer”, acrescenta Sofia. 

Um grupo amplo de alunos de diferentes cursos apontam que as mudanças de carga propostas pela universidade são legais e cumprem com as exigências regulatórias definidas pelo MEC (Ministério da Educação), na Resolução nº 7 de 18 de dezembro de 2018 do Conselho Nacional de Educação (CNE) que determina que 10% da carga horária do curso seja destinada a projetos de extensão, e no Parecer 1071 de 4 de dezembro de 2019, também do CNE, que reorganiza a matriz curricular do curso de Psicologia.

Mesmo reconhecendo as questões regulatórias, a reivindicação dos alunos é para que os estudantes do meio do curso, entre o 5º e o 6º semestre, não venham a aderir à nova grade, uma vez que ambas as decisões do MEC preveem o prazo de 3 anos para implementação da mudanças. 

“A gente entende que vai ser muito prejudicial, mas se essa mudança passar ela deveria ser feita de forma gradual porque é uma reestruturação muito profunda na grade. Não faz sentido isso ocorrer e atingir quem está no meio da graduação. Como eles não estão dando flexibilidade precisamos agir por outros meios”, diz a estudante Stella.

"Como é uma mudança muito radical a gente entende que no meio da graduação não tem cabimento a gente aderir”, complementa Sofia.

Nem todos os alunos aderiram ao movimento de pressionar a universidade, mas os estudantes engajados em barrar as alterações se articulam pelas redes sociais e já organizaram abaixo-assinados, petições, queixas no Reclame Aqui e pretendem acionar o Procon, ou um advogado para judicializar o caso. 

“A gente entende que é necessário uma postura mais agressiva, porque no diálogo não vai rolar”, diz Sofia.

"É difícil porque a gente está em quarentena, né. E foi esse o período que eles escolheram para anunciar a mudança. Então não tem como a gente ir lá na faculdade ocupar o espaço. É bem mais difícil de se organizar”, complementa.

Estudantes do curso direito que participam da frente organizada #RecuaÂnima - composta por estudantes de instituições de ensino pertencentes ao grupo educacional em todo o Brasil, também insatisfeitos com as mudanças  - dizem ter negociado com a Universidade Estácio de Sá para realizar transferência coletiva, caso a São Judas não recue.

Os discentes apontam que a reestruturação da carga horária é parte de um processo de "sucatemento do ensino", que agrupa disciplinas em "unidades curriculares" e reduz a carga horária em sala de aula para transferir para projetos de extensão, medidas que podem gerar demissão em massa, nas falas dos alunos.

“Unidade curricular nada mais é do que um nome diferente para várias disciplinas agrupadas. Essas disciplinas que antes eram ministradas cada uma por um professor, agora são colocadas juntas podendo chegar até sete disciplinas em uma unidade curricular, que são ministradas por um ou dois professores. Ou seja, cinco professores já vão embora aí. Novamente haverá demissão em massa desses professores”, diz Stella.

No novo modelo, os alunos de psicologia apontam que terão sete disciplinas excluídas e agrupadas em uma unidade curricular chamada comportamento humano que deve abranger competências de anatomia humana, teorias da personalidade, neurociências do comportamento, teoria comportamental, terapia comportamental, terapia cognitiva e ética profissional.

Comunicação imprecisa

Apesar das divergências entre os próprios alunos sobre se a mobilização para evitar as mudanças é válida, há consenso sobre as falhas da universidade ao comunicar a nova matriz curricular.

“Eu não sou contra a mudança de grade porque eu entendo a necessidade e a obrigatoriedade e cabe a mim como aluna pagante do serviço entender isso”, diz a aluna Carolina Vieira, de 22 anos, representante do 5º semestre de Engenharia de Produção do período noturno no campus da Mooca.

Porém, a jovem crítica como a comunicação foi feita para divulgar o novo projeto. “Eu concordo sim que eles não deram as informações com clareza aos seus alunos sobre o porquê da alteração, poucas pessoas sabem e é por isso toda essa revolta e esse exagero nessa questão”, diz Carolina.

O que diz a São Judas


Pocurada pela reportagem, a vice-presidente acadêmica da Universidade São Judas Tadeu, Denise Campos, concedeu entrevista em que respondeu sobre as alegações dos alunos.

Sobre o fala de Daniel Castanho e a campanha promocional em parceria com a Vivo, a vice-presidente declarou que "não tem nenhum problema entre o que ele falou e o que a gente fez. O tempo inteiro para você ganhar um bônus de 5GB pela parceria que a São Judas tem com a Vivo é condição que você seja da Vivo. Como a gente daria 5GB na Vivo se a pessoa não é da Vivo? Não vejo como isso pode desabonar o Daniel".

Ao ser questionada se as mudanças na grade curricular vão gerar demissões de professores, Denise respondeu que o novo modelo não vai promove a recisão de contrato, mas alertou para a possibilidade de demissões ocorrerem por critérios de desempenho.

“A São Judas vai demitir sim, quem? O professor que não cumpriu com as suas obrigações ou que não tem perfil para o projeto. Não tem nada a ver a mudança curricular com demissão em massa, ou porque a gente perdeu alunos e teremos que demitir professor. Isso não é verdade por enquanto. Pode ser que a gente perca, porque os alunos não voltem em agosto, e aí tenha demissão porque diminuiu o número de alunos. Pode acontecer. Neste momento não”, disse.

Sobre as mudanças na grade curricular, a vice-presidente foi enfática ao dizer que “não estamos diminuindo carga horária, em hipótese alguma. Nós estamos reorganizando a carga horária”. Denise argumenta que não é correta a interpretação dos alunos de que diversas disciplinas serão agrupadas em apenas uma unidade curricular e relembra que a proposta da nova grade é de que 40h sejam acrescentadas.

“Seis disciplinas não estão em uma unidade curricular porque a gente não está diminuindo a carga horário. Quando fala assim que tem seis em uma parece que a gente está diminuindo a carga horária”, declarou.

Denise diz ainda que não é possível avaliar o novo modelo de "forma binária" e que os alunos erram ao interpretar que cinco professores podem ser demitidos com o agrupamento das disciplinas que antes ministravam, mas que agora serão rearranjadas em uma unidade curricular. A vice-presidente argumenta que as matérias serão diluídas em unidades curriculares que exigem dois professores, fato que pode gerar novas contratações.

“A nossa perspectiva com as mudanças curriculares é que o aluno entenda já para aplicar, para ele ele ter conhecimentos que ajudem a desempenhar com o que ele sabe, na prática. Mais mão na massa, mais um saber prático e não tão teórico, que depois fica difícil na hora da aplicação”, argumenta Denise ao defender o modelo de unidade curricular.

A vice-presidente afirma que as mudanças foram implantadas durante a pandemia por conta do prazo estabelecido pelas novas regras regulatórias definidas pelo MEC e rebate as críticas dos discentes de que o novo modelo foi comunicado no periodo de isolamento para evitar resistência.

“A gente só tem duas alternativas ou a gente faz agora ou no começo do ano. No início do ano eu não sei também se os alunos vão poder se organizar, se a pandemia passou. Isso não tem nada a ver com o fato da gente estar no virtual ou no presencial. Não tem nada a ver com a gente se aproveitar de um momento . Isso é muito ruim.

Estamos optando por fazer agora porque no meio do ano é mais tranquilo. Já temos as turmas iniciadas em fevereiro. No início do ano o volume é muito maior. A gente achou que é importante pegar os alunos que ainda estão na primeira metade do curso porque eles vão para o mercado de trabalho daqui três anos ainda”, defende. 

“A gente também não é totalmente autônomo para decidir essas questões. O curso é regulado pelo sistema de ensino federal. A gente também recebe essas determinações de cima e a gente tem que cumprir. Eu acho que procederia essas questão dos alunos se a gente tivesse diminuindo ou mudando a qualidade”, complementa.

A vice-presidente declarou que os alunos envolvidos no movimento contra as mudanças estão "propagando fake news" com interesses pessoais para deslegitimar as mudanças legais propostas pela instituição. Denise não reconhece que houve falha na comunicação e aponta que enfrentou dificuldades ao diálogar com estudantes que se mostravam irredutíveis.

Ela afirma que os alunos estão cientes desde o início de junho sobre as mudanças e que “os professores e coordenadores estão dedicados a atender os alunos”.Sobre a falta de transparência na condução das mudanças, Denise argumenta que todos os estudantes têm acesso aos procedimentos técnicos e documentos comprobatórios na área do aluno. 

E finaliza dizendo que "não é verdade que a extensão é mais ativa do aluno. A extensão terá professor o tempo inteiro com grupos menores, então ela é mais cara. Esse é um equívoco dos alunos”, além disso “na atual matriz tinha 3, 5 dias de aula agora vão ter 5 dias de aula”.  

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