Os cidadãos brasileiros têm acompanhado nos últimos dias o acirramento no embate público travado entre o Senado Federal e o STF (Supremo Tribunal Federal). A ofensiva dos senadores contra os ministros da Suprema Corte preocupa. Na guerra de vaidades e defesa de interesses institucionais (para não dizer pessoais), o maior perdedor pode ser o país, com enfraquecimento do princípio de soberania dos poderes.
No fim de novembro, os senadores aprovaram uma Proposta de Emeda à Constituição que limita decisões individuais dos membros do STF . A proposta proíbe que um único ministro possa tomar decisões que suspendam a eficácia de leis ou atos do presidente da República e de membros da Câmara e do Senado. No total, 52 senadores votaram a favor da PEC, sendo que apenas 18 foram contrários.
A aprovação foi recebida com repúdio pela Suprema Corte. O presidente Luis Roberto Barroso reagiu: “Tribunais independentes e que atuam com coragem moral não disputam torneios de simpatia. (...) Não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”, disse. Enquanto no STF, a votação da PEC foi tomada como ameaça, no Senado a alegação é de esse seria um instrumento de equilíbrio dos poderes .
Na verdade, a PEC e sua aprovação são uma mensagem do meio político ao Judiciário. A mim, esse movimento parece perigoso. Não se pode ameaçar o Poder Judiciário, sob pena de estar ameaçada também a democracia.
O fato, no entanto, é que o texto da PEC deve ser alterado na Câmara dos Deputados , de forma que se torne mais brando. Além disso, o deputado Orlando Silva (PC do B-SP) já anunciou que ingressará com ação contra a proposta, sob o argumento de que o texto viola a competência do Supremo. Ou seja, há grandes chances de serem minadas as investidas do Senado contra o STF.
Em meio a tais desdobramentos, o Senado já prepara nova ofensiva. O presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) vai pautar, já no primeiro semestre de 2024, a PEC que pode limitar, para o período de 15 anos, o tempo de mandato dos ministros do STF . Atualmente, eles podem manter a cadeira até a aposentadoria compulsória aos 75 anos de idade. Se aprovada, a PEC não será aplicável aos ministros que já estão no cargo. Mesmo assim, a apresentação da proposta nesse momento vem sendo considerada mais uma ação do Senado para reduzir os poderes individuais dos magistrados.
Toda essa batalha tem motivação meramente política. Os senadores ficaram especialmente descontentes quando, em setembro deste ano, o STF rejeitou a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição como marco temporal para definir o direito à ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas.
Os senadores também não gostaram da possibilidade de o STF julgar inconstitucional a criminalização da posse e do porte de drogas para consumo pessoal. Em resposta, o senador Rodrigo Pacheco apresentou a PEC que considera “crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Atualmente a proposta está sob análise da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e pode colocar por terra a possível descriminalização da posse de drogas.
Divergências sempre vão existir, especialmente sobre temas entremeados por tantas polêmicas. Porém as divergências devem ser sanadas com diálogo e aprofundamento das ideias. Preferencialmente, a sociedade deve ser ouvida.
O que não se deve fazer é plantar no centro dos poderes um cenário de afrontamento e revanchismo. Não se pode abrir precedentes para que haja interferência entre os poderes, sob pena de se abrir precedentes que ameacem a ordem e o país.