Maior empreiteira do Brasil, Odebrecht pediu recuperação judicial no primeiro semestre
Divulgação/Odebrecht
Maior empreiteira do Brasil, Odebrecht pediu recuperação judicial no primeiro semestre

A grande imprensa tem noticiado, agora com pesar, o ocaso de algumas das maiores empreiteiras do Brasil: o  pedido de recuperação judicial da Odebrecht e a forte suspeita de que a OAS, incapaz de se salvar, vá à lona. Tantas outras se encontram na mesma situação.

A arrogância é um grave defeito, que paralisa o juízo e nos afasta das pessoas. Mas a constatação de fatos não alimenta obrigatoriamente as vaidades. Eu sou forçado a dizer, para o bem da historieta que aqui começo a contar, que eu e alguns bons amigos antevimos tudo isso. Fizemos mais, advertimos que seria um desastre de proporções bíblicas. Mais ainda, explicamos que poderia ser evitado e como evitar.

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A Lava Jato se tornara, já em 2015, uma força de destruição do capitalismo nacional. O tipo de combate puramente repressivo à corrupção, que dela se projetou, ameaçava destruir algumas das principais empresas brasileiras e, com elas, o mercado nacional de infraestrutura, à época a espinha dorsal da nossa economia.

Foi, repito, o que antevimos eu e os queridos Professores Gilberto Bercovici e Francisco Siqueira Neto. Esse nosso vaticínio foi expresso em um opúsculo, “O Plano de Salvamento do Projeto Nacional de Infraestrutura”, publicado naquele mesmo ano, pela Editora Contracorrente.

Pouco menos de cinco primaveras depois, as nossas previsões catastróficas se confirmaram. Nada, absolutamente nada do que sugerimos para evitá-las, foi realizado. Muita gente trabalhou para que fosse assim, poucos ajudaram.

É hora, reafirmo, de contar um pouco dessa história. Não tudo, porque há detalhes, talvez os mais sensuais, que apenas o tempo deverá revelar.

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Já em 2015, era claro para um observador minimamente treinado que as empreiteiras brasileiras iriam quebrar. Elas já não eram apenas prestadoras de serviços de construção pesada. Eram organizações que se interpunham entre o Estado poder concedente e os milhões de usuários de serviços públicos que o país terceirizou.

Ou seja, além de construtores e administradores de grandes obras públicas, as empreiteiras eram as principais concessionárias de serviços públicos do país. Tudo o que faziam, portanto, era contratar como Estado.

A deflagração da Lava Jato, a revelação dos seus achados, assim como o tratamento indistinto da empresa, dos seus dirigentes e de seus controladores pela legislação brasileira, levava a crer que as organizações envolvidas seriam incapazes de continuar a contratar com o Estado. E que, por isso, estavam condenadas à morte.

Não seria mesmo necessário aguardar uma declaração, judicial ou administrativa, de inidoneidade. A grave suspeita de que fossem ímprobas, em vista das descobertas das investigações, já afetava tremendamente o cadastro dessas empresas, sua reputação nos mercados, dificultando ou impossibilitando que celebrassem novos contratos, que recebessem valores no âmbito de contratos vigentes e mesmo que conseguissem obter financiamentos.

A solução mais próxima seria um acordo de leniência. Mas advertimos, já em 2015, que uma transação se submeteria a inúmeros obstáculos, desde logo a indefinição sobre a parte estatal competente, ou seja, com quem as empresas deveriam celebrar a leniência. Muitos órgãos da administração exigiam fosse com eles negociado e celebrado o acordo.

Tudo isso se confirmou nos anos seguintes. Poucas empresas conseguiram celebrar acordos de leniência com os vários órgãos envolvidos e essas transações vieram tarde demais, quando a sua saúde financeira já se mostrava muito prejudicada.

Em 2015, contudo, essa previsão era, aos olhos de muitos, grandemente exagerada. Poucos acreditavam que tudo isso levaria à redução drástica de receita, à asfixia financeira das empresas, às demissões em massa, ao comprometimento da capacidade do Estado de investir em infraestrutura e à perda do conteúdo nacional no setor de infraestrutura.

Poucos acreditavam que a ruína das grandes empreiteiras significaria também a ruína de milhares de empresas no seu entorno, de fornecedores de peças, de máquinas, de outros prestadores de serviços etc.

Nós sugerimos, ainda em 2015, que se criasse uma força-tarefa e que as empreiteiras fizessem rapidamente um grande acordo com o Estado, para ressarcir os danos que causaram ao erário. Um acordo para pagar multa e indenização, dando em pagamento ao Estado os principais ativos de infraestrutura do país, dos quais as grandes empreiteiras eram donas naquele momento.

Esses ativos seriam levados a leilão e o proveito desse certame quitaria a dívida, liberando-as para operar normalmente, sob monitoramento, para que não voltassem a delinquir. Além disso, o leilão dos ativos de infraestrutura abriria o mercado, então cartelizado, trazendo grandes investimentos para o país.

A solução tinha outra vantagem. As empreiteiras sempre funcionaram sob grande alavancagem, ou seja, sempre tomaram muitos empréstimos, sobretudo do nosso banco de fomento empresarial, o BNDES. A quebra das empreiteiras representaria um grande problema para o BNDES e para os bancos privados que funcionavam como garantidores das empreiteiras perante o BNDES.

A solução que sugerimos evitaria também uma grande crise de crédito, que poderia afetar até mesmo sistema financeiro do país.

O nosso principal apoiador, ainda no governo Dilma, foi o seu Ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Levy compreendeu como nenhum outro o acerto de nossas previsões e as soluções que propusemos.

As propostas, todavia, foram literalmente sabotadas por muitos. Em primeiro lugar, pelos próprios empreiteiros, que àquele tempo, por algum motivo, ainda imaginavam fossem sair ilesos, sem conta a pagar. Mas também por acadêmicos e políticos invejosos, que queriam os holofotes sobre si.

Pouco tempo depois, Levy deixaria o cargo e Dilma Rousseff, a Presidência. O resto, todos nós conhecemos, porque já é parte da recente história do Brasil. As consequências estão postas e ainda produzirão muito infortúnio.

O conteúdo desta coluna não necessariamente representa a opinião editorial do iG

Walfrido Warde  é advogado, escritor e presidente do IREE, Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa. Escreve para o  iG na coluna “Poder para o Povo” todas as quartas-feiras. 

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