O subprocurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Rocha Furtado, entrou nesta quarta-feira (8) com um pedido de inquérito contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro para investigar a entrada de joias ilegais doadas pela Arábia Saudita ao casal. O documento foi entregue ao presidente da corte de Contas, Bruno Dantas, que ainda não respondeu ao pedido.
Segundo Rocha Furtado, a entrada ilegal das joias afronta o princípio da moralidade e ressalta o alto valor dos bens apreendidos pela Receita Federal. O subprocurador ainda lembra que a ação contradiz as promessas feitas por Bolsonaro em dar transparência pública as ações do governo.
“Cumpre destacar que o fato, por si, revela-se reprovável. Isso porque a verdadeira extravagância ora denunciada resulta, sobretudo, em afronta ao princípio da moralidade administrativa, mormente quando praticados no contexto de um governo que se elegeu defendendo, entre outras, as plataformas de austeridade e transparência pública”, disse.
“Causa-me bastante estranheza que joias dessa magnitude tentem ser recebidas pelo ex-presidente e pela ex-primeira-dama em subterfúgio à diferenciação do que seja ou não bem público”, completou.
Após a repercussão do caso, Bolsonaro e Michelle disseram que os presentes seriam para a União, mas os trâmites para a incorporação dos bens para o Planalto não foram seguidos. Para o subprocurador, há evidências de conflito de interesses no caso.
No documento, Lucas Rocha Furtado lembrou que Bolsonaro atuou pessoalmente para conseguir a liberação das joias junto à Receita Federal. Ele, inclusive, teria enviado um servidor utilizando um avião da FAB para interesses pessoais.
“Conforme noticiado, Jair Bolsonaro atuou pessoalmente para tentar liberar as joias retidas na Receita Federal e teria acionado ao menos três ministérios, bem como enviado servidor em avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para tentar buscar os itens”, disse o subprocurador.
“Há de se notar que além do princípio da moralidade, o princípio da impessoalidade também aparenta ter sido violado, já que houve utilização de avião da FAB para suposto interesse pessoal do ex-presidente e da ex-primeira-dama”, completa.
Para o Ministério Público, há fortes evidências de que há sobreposição dos interesses particulares aos públicos.
“Desse modo, caso fique comprovado que houve utilização de recursos públicos para benefício pessoal, restará evidente a sobreposição de interesses particulares ao interesse público. Nesse sentido, nunca é demais relembrar que, no âmbito público, não há de existir espaço para vontades particulares”.
Receita na mira
O presidente Jair Bolsonaro, sua esposa e ministros não são os únicos na mira do TCU. Servidores da Receita Federal que cederam a pressão do Planalto para liberar as joias também devem ser investigados.
Entre eles está Julio Cesar Vieira Gomes, que assumiu a Receita em dezembro de 2021, após a apreensão das joias. Gomes foi responsável por autorizar a liberação dos presentes árabes ao ex-presidente no fim do ano passado.
“Averiguar se houve atuação legítima e adequada da Receita Federal do Brasil e da Polícia Federal na apuração dos fatos relatados, bem como apurar se esses órgãos sofreram pressão interna pela alta cúpula do Poder Executivo à época para tentar liberar os bens indevidamente recebidos pelo Governo Saudita”, ressalta Rocha Furtado.
“Se confirmar os fatos, proceder a responsabilização de toda a cadeia de agentes envolvidos, sem prejuízo de remessa de cópia da presente representação ao Ministério Público Federal (MPF) para adoção das medidas adequadas na seara penal”, completa.
Entenda o caso
Segundo uma reportagem de "O Estado de S. Paulo", um primeiro pacote de joias, avaliado em R$ 16,5 milhões, foram entregues pelo governo da Arábia Saudita para Michelle Bolsonaro, que visitou o país árabe em outubro de 2021. Entre os presentes, estavam um anel, colar, relógio e brincos de diamantes.
Entretanto, ao chegar ao país, as peças foram aprendidas na alfândega do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, na mochila de um assessor de Bento Albuquerque, então ministro de Minas e Energia. Ele ainda tentou usar o cargo para liberar os diamantes, entretanto, não conseguiu reavê-los, já que no Brasil a lei determina que todo bem com valor acima de US$ 1 mil seja declarado.
Diante do fato, o governo Bolsonaro teria tentado quatro vezes recuperar as joias, por meio dos ministérios da Economia, Minas e Energia e Relações Exteriores. O então presidente chegou a enviar ofício à Receita Federal, solicitando que as joias fossem destinadas à Presidência da República.
Na última tentativa, três dias antes de deixar o governo, um funcionário público utilizou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para se deslocar até Guarulhos. Ele teria se identificado como “Jairo” e argumentado que nenhum objeto do governo anterior poderia ficar para o próximo.
Bolsonaro se defende
Após evento nos Estados Unidos, no último sábado, Bolsonaro disse que não pediu nem recebeu qualquer tipo de presente em joias do governo da Arábia Saudita.
"Agora estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso", afirmou.
Ainda de acordo com ele, a Presidência notificou a alfândega. "Até aí tudo bem, nada de mais, poderia, no meu entender, a alfândega ter entregue (sic). Iria para o acervo, seria entregue à primeira-dama. E o que diz a legislação? Ela poderia usar, não poderia desfazer-se daqui. Só isso, mais nada", garantiu.
Já Michelle Bolsonaro ironizou as denúncias e disse que não possui um acervo de joias nesse valor.