O Ministro das Comunicações, Fábio Faria, tem tratado nas últimas semanas de um tema que pode significar uma mudança radical e positiva no uso e no acesso à internet no país. E, ao mesmo tempo, injetar na economia o ânimo que tem faltado nos últimos tempos. Faria tem se empenhado em garantir a realização do leilão que definirá a tecnologia 5G que será utilizada no Brasil. A definição deve sair até o final de agosto.
O assunto vem tomando conta de quase toda a agenda do ministro e voltou a ser abordado mais uma vez na quarta-feira passada — numa entrevista que mereceu mais atenção do que as anteriores. Desta vez, além de falar da 5G, ele abordou, também, o estado de saúde do presidente Jair Bolsonaro .
Um assunto, claro, nada tem a ver com o outro. Pode-se dizer, porém, que, pelo menos neste caso, a internação inesperada do presidente contribuiu para atrair atenção para um tema que não vinha sendo acompanhado com a devida atenção. E que, se for concluído, pode se tornar a marca mais positiva de um governo que, até aqui, tem se mantido mais próximo dos problemas do que das soluções.
Para que o leilão aconteça é preciso que, antes, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprove o edital elaborado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), depois de uma série de consultas e audiências públicas. A sessão que tratará do assunto está prevista para o dia 18 de agosto. Se o processo correr da forma como Faria espera, o Brasil conhecerá as empresas responsáveis pelo fornecimento da tecnologia a tempo de ver cumprido o cronograma que prevê a implantação do sistema 5G nas 27 capitais brasileiras até o final de julho de 2022.
Comunidades Indígenas
Já não era sem tempo: o Brasil prepara-se para entrar na era do 5G (sigla que remete à 5ª geração da comunicação celular) num momento em que os países tecnologicamente mais avançados já testam o sistema 6G. Parte do atraso se deve ao peso e ao papel que o mercado brasileiro assumiu no meio da mais barulhenta guerra comercial em curso no mundo atual: a disputa entre os Estados Unidos e a China pela hegemonia na oferta dessa tecnologia .
Pelo edital a ser votado pelo TCU, os chineses da Huaweii, que estão no centro desse problema devem mesmo ficar de fora. Seja como for, a discussão sobre a origem da tecnologia a ser implantada é menos importante do que buscar maneiras de se apressar o acesso a ela. Essa posição, pelo que se viu até aqui, está contemplada no edital.
A Anatel, desta vez, não cobrará o chamado direito de outorga, uma espécie de pedágio que o vencedor paga para explorar o serviço. O que será exigido dos vencedores serão as contrapartidas que estão dispostos a oferecer para, por exemplo, implantar a tecnologia 4G nas 2500 comunidades indígenas do país e ao longo dos 48000 quilômetros da malha de rodovias federais. A intenção é usar a tecnologia mais antiga para eliminar os chamados desertos digitais — ou seja, pontos do país que nunca contaram com a cobertura dos serviços de telefonia.
Seja como for, as vantagens oferecidas pelo 5G são enormes e podem tornar corriqueiras algumas cenas que, até aqui, eram possibilidades que só existiam no mundo da ficção científica. Se os recursos da nova geração já estivessem em funcionamento no ano passado, o drama dos estudantes que ficaram sem aulas durante a pandemia teria sido bem menor. O acesso aos conteúdos digitais pelo sistema 5G é mais ágil, mais seguro e além disso, mais barato.
Cirurgia de urgência
O 5G facilitará as cirurgias remotas, o que estenderá os serviços médicos de qualidade aos pontos remotos do país. Com esse serviço, um médico do Rio de Janeiro , onde estão alguns dos especialistas em cirurgias de emergência mais capacitados do mundo, poderá, sem ter que perder tempo com deslocamento, operar com a ajuda de robôs as vítimas de um acidente de trânsito, por exemplo, em Maceió. Ou no interior do Amazonas.
O sistema 5G também aumenta a segurança no controle dos carros autônomos e reduz os riscos do trânsito. Facilitará o acesso à chamada “realidade aumentada”. Com esse recurso será possível, por exemplo, que uma pessoa verifique, com a ajuda de ferramentas digitais, como uma camiseta fabricada do outro lado do mundo ficará em seu corpo. Agilizará o acesso das empresas do agronegócio às tecnologias mais avançadas e permitirá, ainda, que uma informação saia de Brasília e chegue a todos os pontos do país no mesmo instante. Ou seja, democratizará o acesso às informações e, finalmente, trará o Brasil para dentro de uma revolução que já está em curso em outros pontos do mundo.
E o 5G da política?
O edital que regulará o leilão do serviço leva em conta algumas preocupações que os críticos do sistema têm manifestado. Está previsto, por exemplo, a criação de uma rede paralela, que será utilizada pelos órgãos do governo e pelos funcionários públicos federais. A intenção é criar um ambiente exclusivo, que impeça (ou, pelo menos, dificulte) o acesso de bisbilhoteiros a dados oficiais.
Todo cuidado nesse sentido é justificável. Se mesmo com a tecnologia precária atualmente disponível, o país já não oferece segurança digital aos usuários, com a agilidade e as facilidades criadas pelo 5G, o risco, à primeira vista, será potencialmente maior. Será que isso é fato? O assunto é delicado. Da mesma forma que agiliza o acesso aos dados, a nova tecnologia também dificulta a interceptação, facilita o rastreamento da movimentação digital e apressa a localização da origem dos problemas. Por esse ponto de vista, ao invés de reduzir, o 5G tende a aumentar a proteção dos dados que transitam pela rede.
O risco de uso inadequado sempre existe, mas não pode, porém, justiçar a criação de dificuldades para o uso dessa tecnologia. Restringir o acesso do brasileiro a esse recurso mais moderno só porque alguém pode dar a ele um tratamento inadequado seria o mesmo que proibir viagens aéreas só porque os aviões estão sujeitos a sofrer acidentes. Num caso e no outro, os benefícios são muito superiores aos eventuais perigos que o serviço pode oferecer.
Em resumo, por qualquer ângulo que se observe, o 5G é um avanço. Ele, pelo menos em teoria, encurta as distâncias, agiliza as decisões, facilita a solução de problemas, democratiza o fluxo das informações e dá mais transparência às decisões que afetam a vida das pessoas. O uso das ferramentas digitais nas pesquisas e nos processos eleitorais será muito mais preciso e ágil do que é atualmente.
Seja como for, é sempre bom deixar claro que o problema não está na tecnologia em si, mas no uso que cada um está disposto a fazer dela. O perigo maior não está em disponibilizar o 5G, mas em operá-lo com a cabeça analógica do clientelismo e da troca de favores. É preciso que todos, a começar pelas autoridades, tenham uma mentalidade mais moderna e voltada para extrair da tecnologia todo avanço que ela puder oferecer.
Isso se tornará cada vez mais necessário. Mesmo porque, as novas tecnologias, cada vez mais, aumentarão a vigilância sobre as autoridades e darão a uma campanha feita pelas redes uma força maior do que a de uma manifestação que reúne milhares de pessoas na Cinelândia.
O mundo está mudando numa velocidade que exigirá das autoridades e dos próprios cidadãos comportamentos compatíveis com as novas possibilidades tecnológicas — até para que elas não se voltem contra a população. A pergunta é: quando os políticos brasileiros passarão a trabalha em modo 5G?