Hoje, 7 de outubro de 2024, completa-se um ano dos inéditos ataques do Hamas à Israel.
Aliás, esses ataques, além de marcarem o início da guerra Israel-Hamas,
coincidem quase exatamente com os cinquenta anos do início de outro conflito entre as mesmas partes, a “Guerra do Yom Kippur”, iniciada em 6 de outubro de 1973.
Essa recente ação do Hamas começou logo pela manhã do dia 7 de outubro de 2023 com o lançamento de cerca de três mil foguetes contra Israel e incursões de militantes em parapentes e transportados por veículos motorizados em território israelense.
Até hoje não se sabe ao certo como Israel, possuidora de um sofisticado sistema de defesa, pôde sofrer um ataque tão singelo do ponto de vista militar, e ao mesmo tempo tão letal.
Num único dia, mais de um mil civis israelitas e mais de 350 soldados e polícias israelitas foram mortos em cidades próximas, nos “kibutzim” – comunidades similares a condomínios fechados –, bases militares e até mesmo num festival de música. Ao final, algo próximo a duzentos civis e soldados israelenses foram levados como reféns para a Faixa de Gaza, dos quais o número de crianças sequestradas é de cerca de trinta.
Como, contudo, se iniciou essa beligerância permanente entre judeus e palestinos? Em termos históricos, em 1917, o então ministro das Relações Exteriores do Império Britânico, Arthur Balfour, escreveu uma carta endereçada a Lionel Walter Rothschild, líder da comunidade judaica do Reino Unido, com a promessa de "estabelecer na Palestina um lar nacional para o povo judeu".
Essa carta ficou conhecida como “Declaração Balfour”. A maior potência da época, o Império Britânico, prometia aos judeus criar um país em um território que, àquela altura, era 90% ocupado por árabes palestinos e por uma minoria judaica. O local, para colocar mais “pimenta” na questão, é ainda considerado sagrado por três religiões distintas: judaísmo, cristianismo e islamismo.
De 1923 a 1948, os britânicos dominaram aquele espaço e facilitaram a imigração em massa de judeus para ali se instalarem, o que foi intensificado com o anti-semitismo nazista da 2ª Guerra Mundial. Já neste momento os palestinos experimentavam a perda de suas terras em favor dos britânicos.
Finalmente, em 1948 e por meio da Resolução 181, a recém-criada ONU defendia a repartição do território palestino em dois Estados, Palestina e Israel, sendo Jerusalém, sua capital, uma espécie de “cidade internacional” comandada pela própria ONU.
A proposta foi rejeitada pelos palestinos, o que não impediu que, já em 1948, 78% do território histórico da Palestina tivesse sido dominado pelos judeus, e os 22% restantes foram divididos entre o que hoje são a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Estima-se que 750 mil pessoas tenham sido forçadas a deixar as suas casas. Essa população se espalhou pela Cisjordânia, Líbano, Síria, Jordânia e Egito.
Dando um salto histórico, chegamos à chamada Intifada, reação palestina à ocupação judaica de suas terras, em 1987. Justamente neste momento surge o Hamas, um ramo da Irmandade Muçulmana que se engajou na resistência armada contra os judeus. Israel reagiu de maneira extrema, incluindo assassinatos, fechamento de universidades, deportações de ativistas e destruição de casas, repetindo a estratégia dos britânicos no início do século XX.
Em 1993, o Acordo de Oslo colocou fim à Intifada. Naquele momento foi criada a Autoridade Palestina, um órgão de governo interino que recebeu um autogoverno limitado em áreas da Cisjordânia ocupada e da Faixa de Gaza. Em 1995, Israel construiu uma cerca eletrônica e um muro de concreto ao redor da Faixa de Gaza, interrompendo as interações entre os territórios palestinos divididos.
Em setembro de 2000, eclode o que seria a segunda Intifada, um conflito aberto entre palestinos e judeus. Nesta ocasião, Israel causou grandes danos à economia e à infraestrutura palestinas, ocupou áreas governadas pela Autoridade Palestina, além de potencializar a construção ilimitada de assentamentos, especialmente na Cisjordânia, mas também na Faixa de Gaza, gerando assim perdas progressivas de território e meios de sobrevivência ao povo palestino.
O fim dessa segunda Intifada coincide com a ascensão do Hamas ao poder, instalando-se um clima de conflito contínuo com os israelenses, o que permanece até os tempos atuais, como se pode concluir com facilidade.
No meio deste conflito, os israelenses tem argumentado que não se trata de uma guerra Israel-Palestina, mas de um conflito entre uma cultura ocidental e uma cultura oriental, especificamente árabe-muçulmana. Os palestinos, por seu turno, defendem seu direito de viverem em liberdade, paz e numa terra que também lhes pertence.
Quando se fala em conflito entre povos, mais ainda algo tão antigo como é o caso presente, vemos que os ressentimentos tomam, de compreensivel, um corpo grande e denso. Muitas pessoas mortas, mutiladas, famílias inteiras forçadas a migrar para fora de suas terras. Filhos, pais, mães, irmãos, tios, primos, avós, amigos...instala-se uma espécie de “ódio ancestral”, algo transmitido de geração em geração.
Quais seriam os caminhos possíveis para palestinos e judeus conviverem no mesmo espaço e em paz? A resposta é simples e ao mesmo tempo, de modo paradoxal, complexa. Simples porque bastam que ambos os povos em questão queiram viver em paz, respeitando as suas mútuas existências. Complexa porque isso significaria, a cada um desses Estados, ter de abrir mão de suas posições, estando estas lastreadas em fundamentos históricos, religiosos, culturais e tradicionais.
De todo modo, a ideia de dois Estados não parece ter sido a melhor possível, mas também não é de todo ruim. Na verdade, é algo ao menos razoável se considerarmos o contexto como um todo e também o fato de que hoje é algo irreversível. Contudo, todo o transcorrer histórico já deixou claro que sem uma intervenção internacional reguladora, dificilmente as partes envolvidas chegarão a algo concreto, duradouro e equilibrado.
Para ler mais textos meus e de outros pesquisadores, acesse www.institutoconviccao.com.br
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