A América do Sul
é um território prodigo em golpes de Estado.
Em termos didáticos, o exercício do poder político, ao menos idealmente e num ambiente democrático, deve se dar por meio de representantes populares, escolhidos pelo voto direto e popular.
Esse poder, ou, ainda melhor, os representantes eleitos e exercentes do poder político, contudo, podem dali serem retirados por caminhos não exatamente regulares: a. golpe de estado ou; b. revolução. No primeiro caso, o povo não toma parte. Um grupo de interessados em tomar o poder se movimenta neste sentido e tem êxito ou não. No segundo caso, a tomada do poder é feita pelo povo, como no caso da Revolução Francesa, por exemplo.
Todos os países sul-americanos já passaram por golpes de Estado. A Bolívia, porém, é um caso à parte, acumulando nada menos que 194 golpes de Estado desde a sua independência, há mais de 200 anos. Especialmente com a ascensão de Evo Morales à presidência da República, em 2006, os bolivianos viviam tempos de relativo equilíbrio social e político, muito embora um breve período de conturbação tenha tomado espaço em fins de 2019 com a renúncia de Morales.
Dessa vez, junho de 2024, a tentativa de golpe militar veio pelo ex-comandante do Exército boliviano, General Juan José Zúñiga, que havia sido demitido de seu cargo após ameaçar Morales, que pretende concorrer à presidência uma vez mais. A tentativa de golpe mostra uma ação isolada e mal planejada de Zúñiga, mas há um pano de fundo de crise política e econômica.
A Bolívia passou por uma forte reestruturação, com uso de suas reservas naturais, especialmente gás natural, para expandir sua infra-estrutura, especialmente sob o governo de Evo Morales, que também conseguiu aprovar uma nova constituição em 2009. Os recursos do gás também turbinaram múltiplos programas sociais.
Esse ambiente aparentemente favorável parece ter se corroído nos últimos tempos, sob o governo de Luis Arce – ex-apadrinhado de Morales – especialmente pelo peso existente sobre o Estado e a sociedade dos custos dos muitos programas e políticas sociais ali vigentes. Há hoje dificuldade para a Bolívia adquirir muitos itens, até de consumo, exibindo reservas baixas em dinheiro, o que dificulta negócios com outros países.
Há ainda na Bolívia uma forte polarização entre Santa Cruz, maior centro produtivo do país e mais alinhado à direita, com La Paz, capital do país e com um alinhamento mais próximo à esquerda e, portanto, a Morales. São duas visões distintas de país e o seu enfrentamento é inevitável. A direita quer menos Estado, a esquerda quer ampliar os benefícios sociais, ou seja, mais Estado.
De todo modo, Zúñiga calculou muito mal seus passos no âmbito político. Buscou o golpe imaginando que teria apoios ainda não “costurados” e o que se viu foi um total e completo rechaçamento de sua iniciativa, tanto fora da Bolívia quanto, principalmente, internamente.
Para quem quiser acessar mais material meu e de outros pesquisadores, deixo aqui o link do Instituto Convicção, do qual faço parte.