No último dia 20, trouxemos aqui
o julgamento do RE 635659 (recurso extraordinário) junto ao STF.
O foco principal de discórdia é a indefinição existente na lei quanto a quantidade necessária para se caracterizar um usuário, e a partir de que montante ele passaria a ser considerado um traficante.
Por que isso é relevante? Porque ao usuário se pretende conferir um tratamento especialmente benéfico. O julgamento em tela, portanto, não analisa a legalidade da venda de drogas, que continuará proibida, mas sim a chamada descriminalização do porte de drogas para consumo.
Também não se trata de uma legalização do consumo. Descriminalizar é retirar de uma conduta o seu caráter penal, criminal, podendo – como é o caso – passar a considerá-la um ilícito civil ou mesmo uma conduta atípica, ou seja, não ofensiva às leis.
Atualmente, a posse de entorpecentes para uso próprio é considerada crime, mas a sanção não é de natureza penal. O condenado, para esta situação, e segundo o art. 28 da Lei nº 11343/2006 (Lei de Drogas), receberá uma “advertência sobre os efeitos das drogas”, ou terá que prestar “serviços à comunidade” e/ou se submeter à “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”. De todo modo, o envolvido fica com o fato registrado em seu prontuário.
Até o momento, foram seis votos favoráveis à descriminalização apenas no caso da maconha: Gilmar Mendes (relator), Luís Roberto Barroso, Rosa Weber (já aposentada), Edson Fachin, Alexandre de Moares e, no julgamento retomado no dia 20/06, também Dias Toffoli aderiu ao entendimento majoritário.
Estes entenderam que a criminalização do porte para consumo próprio é inconstitucional. Discordaram de tal entendimento Nunes Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin.
Como elemento de discórdia a mais, ainda pende de decisão que quantidade máxima poderia o usuário de maconha portar para que seguisse como usuário. No STF a quantidade transita entre 60 gramas, 25 gramas, 10 gramas e até mesmo não fixar quantidade máxima nenhuma e remeter tal fixação para a Anvisa.
Esse verdadeiro “cabo-de-guerra”, bem resumidamente, se estabelece entre uma postura mais liberalizante, de descriminalização e mesmo de legalização das drogas hoje consideradas ilícitas e, de outro lado, o movimento oposto de tornar a legislação mais rigorosa, as penas mais duras e as restrições todas, de um modo geral, mais amplas.
“Correndo por fora” e reagindo ao movimento do STF, o Congresso Nacional analisa a PEC 45/2023 que visa acrescentar novo dispositivo ao art. 5º da Constituição Federal e, por este entendimento, a posse de “entorpecentes e drogas afins” segue caracterizado como crime, seja qual for a quantidade. O Senado já aprovou a PEC que, agora, segue para a Câmara.
Aliás, no julgamento do dia 20 de junho, o Ministro André Mendonça observou que o julgamento do Supremo está “passando por cima do legislativo”.
Há um receio, bastante razoável, que a posse de pequena quantidade de drogas – em especial maconha e cocaína – possa estimular o micro tráfico e todo traficante, assim, se converterá em usuário. Também, por outro lado, é preciso se considerar que cerca de 180.000 presos hoje integrantes do sistema prisional brasileiro lá estão por tráfico de drogas e muitos (supostamente) por quantidades pequenas.
O julgamento do STF indica que a descriminalização do porte de pequena quantidade de maconha, em específico, deve ser acolhida. Mas, como dito acima, a “PEC das drogas” caminha no Congresso e, neste sentido, pode “atropelar” o julgamento em análise, tornando-o letra morta num futuro bastante próximo.
Parece fora de dúvida ser o tema das drogas algo afeto à saúde pública, porém, assim o é quando adotamos o ponto de vista do dependente ou do usuário. Se, por outro lado, buscarmos analisar como essa droga chega até o seu consumidor, aí já entramos no campo do tráfico, do crime organizado, da corrupção, da violência. Como se vê, é um tema complexo e sem solução nem fácil e nem simples no horizonte.
Para quem quiser acessar mais material meu e de outros pesquisadores, deixo aqui o link do Instituto Convicção, do qual faço parte.