Algo frequentemente ouvido nos dias que correm com relação à atuação do nosso STF é: os ministros estão defendendo a democracia. No site do próprio STF, contudo, encontramos que “os grandes papéis do Supremo Tribunal Federal são os de assegurar o governo da maioria, velar pelo respeito às regras da democracia e proteger os direitos fundamentais de todos, inclusive dos direitos das minorias e dos grupos vulneráveis.”
Há uma sutileza aí, pois “velar pelo respeito às regras da democracia” não é sinônimo de defender a democracia como se o STF fosse um elemento ativo e integrante da chamada “ disputa democrática” exercida de modo central por partidos e agentes políticos na acepção estrita do termo.
Já observamos em outro texto desta coluna que o Judiciário, e de modo especial o STF, tem um papel bastante similar ao de um árbitro. E é neste papel que ele irá, como acima visto, “velar pelo respeito às regras da democracia”. E, neste sentido, de todo relevante que os ministros julgadores criem seu próprio limite de atuação (self restraint).
Quem deve expressar a vontade popular, numa democracia, são os representantes do povo, ou o próprio povo, diretamente, quando lhe for possível assim atuar. E estes representantes são escolhidos pelo voto popular, uma das mais importantes manifestações da cidadania.
Assim, prefeitos, vereadores, governadores, deputados, senadores e o presidente da República, são escolhidos pelo povo. Possuem uma representatividade popular e devem, em suas atuações, manifestar os anseios e a vontade de quem os elegeu. Devem fazer a vontade do povo.
Nada disso está presente na atividade própria do Judiciário, que é julgar. Julgar, num Estado de Direito, como pretende ser o nosso, significa aplicar as normas e princípios existentes aos casos concretos. E só. Os magistrados, via de regra, acessam a atividade por concurso público, e não por eleição popular, logo, não devem procurar atender os “anseios populares” em sua atividade, incluindo-se, claro, os ministros do STF.
Descompromissados de atender a vontade popular em sua atuação, ficam os magistrados comprometidos apenas com a aplicação das leis, e no caso especial do STF, da Constituição Federal, possuindo o Judiciário, assim, uma atividade técnica e contra-majoritária, ou seja, independente da vontade da maioria, da vontade do povo.
Desse modo, quando se vê ministros da mais alta Corte, ou seus defensores, invocarem atos por eles praticados, genericamente, como de “defesa da democracia”, é preciso avaliar até que ponto isso de fato está se mostrando como um fato ou se simplesmente estamos diante de um excesso ou de um abuso personalista por parte desses mesmos ministros.
Uma das mais respeitadas figuras de nosso direito e de nossa política em todos os tempos, Rui Barbosa, da tribuna do Senado, em 1915, assim se manifestou sobre o papel do STF: “O Supremo Tribunal Federal é essa força que diz: ‘Até aqui permite a Constituição que vás; daqui não permite a Constituição que passes’. Eis para que se criou o Supremo Tribunal Federal (...)”
Recado está dado: limitar para não se tornar refém de abusos. E, sobre abusos, sempre bom lembrar que se comemoramos um abuso contra quem não gostamos ou discordamos, amanhã esse mesmo excesso ou abuso pode atingir quem gostamos ou concordamos, incluindo nós mesmos.