Série Especial sobre a Evolução do Sistema Democratico
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Série Especial sobre a Evolução do Sistema Democratico


Em nossa série sobre a evolução do sistema democrático, exploramos inicialmente a importância de dividir as funções do presidente da república, responsável pela gestão das metas nacionais, e o primeiro ministro que deve implementá-las. Também refletimos sobre a importância de dividir o legislativo em três casas: a representativa, a do notório saber, e o senado. Por fim, abordamos o paradoxo do sistema judicial, onde o que parece justo a curto prazo pode trazer uma enorme injustiça a médio e longo prazo. 

Naturalmente, deveríamos expandir a discussão sobre o judiciário para sugerir alternativas que possam avançá-lo. Porém, o sistema judicial é alimentado por leis, e se elas forem ruins, como as nossas, que são extremamente complexas, contraditórias, extensas, ambíguas e frequentemente mudam, pouco adianta remodelar o sistema que as interpreta. A qualidade da saída é diretamente proporcional à qualidade da entrada, ou sumariamente, ‘se lixo entra, é lixo que sai’. 

Precisamos, então, de um modelo que sirva como padrão mínimo para toda e qualquer lei. Para isso, é preciso redefinir o conceito de lei, cuja definição tradicional usa o contexto de ‘justiça’, que como vimos no artigo anterior, é contraditória com o bem-estar social, pois ao focar no microcosmos do indivíduo a curto prazo, ignora os efeitos da sua propagação a médio e longo prazo na sociedade. 

Por esta razão, proponho minha própria definição para avançar o debate. “Leis são experimentos sociais cientificamente mensuráveis, continuamente adaptáveis e aprimorados, estabelecidos por uma autoridade governamental que define boas e más práticas. As leis são criadas para promover o bem-estar comum, minimizar as volatilidades, incertezas, complexidades e ambiguidades da vida e ser um meio na resolução de conflitos.”

Pode parecer preciosismo, mas esta definição modifica a fundação pela qual as leis são feitas há quase quatro milênios. Comecemos por “Leis são experimentos sociais”. 

Esta definição estabelece o princípio da  humildade  como algo que foi possivelmente negligenciado até hoje como pilar do sistema. Quando o Estados Unidos proibiu a venda de bebidas alcoólicas entre 1920-1933, é claro que as intenções eram boas, mas o resultado foi catastrófico com o aumento do crime organizado que lucrava com a venda ilegal.

Portanto, uma boa lei é aquela que funciona e, para tanto, deve antes de tudo ter bem definida sua forma de  mensuração científica. Por exemplo, ao implementar leis que proíbem a venda e/ou consumo de drogas, é fundamental que se estabeleçam claramente os objetivos, como: minimizar o número de casos de overdose e hospitalizações, violência doméstica, crimes de roubo, transmissão de doenças e pobreza. 

Todos esses indicadores podem ser medidos estatisticamente, permitindo uma comparação antes e depois da aplicação da lei, além do estabelecimento do grupo de controle. Assim, cria-se um mecanismo inerente que não só valida a eficácia da lei no alcance de seus objetivos, mas também oferece a base para “continuamente adaptá-las e aprimorá-las progressivamente”, garantindo que  cumpra seu propósito de maneira  eficiente.

Uma vez que a lei é definida como um "experimento social", sua aplicação, por definição, deve começar de forma gradual, ou seja, do local para o geral: do bairro ou cidade, para o estado, e só então para a federação. 

Por exemplo, em um tema polêmico como o aborto, seria imprudente implementar uma proibição a nível federal sem antes testar e comprovar a eficácia da lei em níveis municipais e estaduais. Explico: se o número total de abortos em uma cidade onde o procedimento é permitido for menor do que em uma cidade onde é proibido, ou se a redução de abortos for maior em uma região que adota políticas de apoio às mulheres em contraste com outra que criminaliza o ato, temos dados que sugerem qual lei deve ser aplicada em níveis mais amplos e qual precisa ser aprimorada.

Outra inovação na definição diz respeito a volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade (VICA). Hoje, o sistema brasileiro promove exatamente o que deveria evitar e assim cria uma situação onde o cidadão está sempre à mercê da classe política, invertendo os papéis de valores entre quem serve e quem é servido. Isso não significa que a VICA não pode acontecer após uma catástrofe natural, mas que no desenvolvimento da lei e no seu processo experimental é fundamental minimizar seus efeitos negativos ao cidadão. É obrigação do legislativo, para isso eles são pagos.  

A lei tributária brasileira é um exemplo claro de uma legislação VICA: é volátil porque muda frequentemente, incerta porque está aberta a diferentes interpretações, complexa porque só pode ser compreendida por tributaristas altamente especializados, e ambígua porque contém contradições. 

Curiosamente, novos medicamentos devem passar por um rigoroso processo de validação, que inclui testes extensivos para garantir sua segurança e eficácia antes de serem aprovados. Então, por que as leis, que impactam a vida de centenas de milhares de pessoas por décadas, não são submetidas a um escrutínio igualmente rigoroso? 

Para acompanhar a série especial sobre a evolução do sistema democrático, leia os textos:  À Beira do Colapso; A Nova Arquitetura do Poder  e  Injustiça para todos. 

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