Segundo texto - Série Especial sobre a Evolução do Sistema Democratico
Rubens Gallerani Filho/PR
Segundo texto - Série Especial sobre a Evolução do Sistema Democratico



No  primeiro artigo de nossa série, avaliei que os anseios da população não são atingidos porque o executivo é responsável tanto pelas metas quanto por sua execução, criando um arcabouço de conflitos levando à decepções como as vistas nas últimas décadas com a falta de eficiência do sistema democrático e capitalista em seu formato atual. Minha proposta foi criar uma separação de poder entre o Presidente, eleito para liderar o plano de metas da nação, e o Primeiro-Ministro, escolhido para executar o plano para atingir os objetivos predefinidos.

Neste artigo, revisitamos o modelo legislativo atual para entender suas falhas e propor melhorias. O que sabemos? Que há uma variedade de deputados e senadores que não são leais ao povo, mas ao partido; uma máquina que se especializou em se manter no poder e é contra qualquer renovação de liderança ou criação de novos partidos. Além disso, há falta de coerência nas leis orçamentárias para eleições, deputados escolhidos sem a maioria dos votos populares, e pessoas sem preparo ou experiência para trazer valor a seus estados e muito menos à nação.

O resultado é a desconfiança da população, baixa participação em eleições, representatividade pífia, incentivo a atos corruptos, afastamento de profissionais com alto gabarito e o sentimento de que somos os palhaços da corte. Para reverter este cenário, é crucial considerar reformas estruturais que promovam a representatividade, notório saber e o desejo do povo.

Representatividade

Na antiga Atenas, o sistema de sorteio conhecido como Kleroterion foi uma prática democrática central entre 508 a.C. e 322 a.C. Este método envolvia a seleção aleatória de cidadãos para ocupar cargos públicos e judiciais, e assegurava uma escolha imparcial. 

O kleroterion era uma pedra com várias ranhuras onde eram inseridos pequenos discos de bronze, cada um representando um cidadão elegível. O sorteio tinha como objetivo garantir a igualdade de oportunidades e evitar a corrupção, impedindo a formação de elites políticas permanentes. 

Entre os benefícios do Kleroterion, destacavam-se a promoção da participação cívica ampla e a minimização das influências externas e nepotismo na governança, assegurando que todos os cidadãos tivessem uma chance justa de contribuir para a administração da cidade-estado.

Em tempo: a palavra "democracia" vem do grego antigo "δημοκρατία" (dēmokratía), que é composta por dois termos: "δῆμος" (dêmos), que significa "povo", e "κράτος" (kratos), que significa "poder" ou "governo". Portanto, democracia pode ser literalmente traduzida como "governo do povo" ou "poder do povo". Em outras palavras, democracia não significa voto, mas sim representatividade.

Portanto, o poder do povo, que o representa na casa legislativa, não precisa vir de eleições. Podemos escolher de forma aleatória cidadãos entre 30 a 70 anos que podem ser nossos deputados com mandatos  de 5 anos. Depois de escolhidos, pela falta de experiência e conhecimento político e legislativo, devem escolher seus partidos com base em suas afinidades ideológicas, histórico do partido e serviços que prestam para o representante. Vamos dizer que 197 são os representantes da casa do povo; o presidente do legislativo, das três casas, será escolhido entre eles.  

Notório Saber

Representantes escolhidos por seu alto nível de conhecimento, experiência e notório saber foram criados em várias instituições históricas para trazer expertise especializada à governança e à tomada de decisões. Exemplos incluem a Académie Française, a Câmara dos Lordes do Reino Unido, o Senado Romano, o Consiglio Nazionale delle Ricerche na Itália e o Conselho da Reserva Federal dos Estados Unidos.

Estes órgãos foram estabelecidos para resolver problemas relacionados à falta de conhecimento técnico e especializado nas decisões governamentais, buscando evitar que decisões críticas fossem tomadas sem a devida competência. Seus benefícios incluíam maior precisão e profundidade na formulação de políticas, legislação mais bem informada, e uma supervisão mais rigorosa de questões complexas. 

A Câmara dos Lordes, com raízes que remontam ao século XIV, revisa e propõe emendas à legislação com base em uma vasta gama de expertise. O Senado Romano funcionou de 509 a.C. até o final da República em 27 a.C., influenciando significativamente a política romana com a sabedoria acumulada dos ex-magistrados. Cada uma dessas instituições exemplifica a importância de incluir especialistas na governança para promover decisões mais informadas e eficazes.

A Casa do Notório Saber seria a segunda das três casas do legislativo, composta por 197 membros cadastrados em diversas categorias de especialização, como Agronomia e Ciências Agrícolas, Antropologia e Sociologia, Arquitetura e Urbanismo, Biologia e Ciências Naturais, Ciências Ambientais, Ciências da Computação e Tecnologia da Informação, Ciências Políticas e Administração Pública, Economia, Educação, Engenharias, História, Saúde, entre outras. Os especialistas seriam escolhidos de forma aleatória para mandatos de cinco anos dentro de cada grupo, garantindo uma representação ampla e diversificada de conhecimentos técnicos e científicos.

Como os deputados, os especialistas deverão escolher seus partidos e votar para a escolha do presidente e do Conselho da República por meio de um modelo de Rank-Choice Voting para mandatos de dez anos. O presidente, por sua vez, escolherá o primeiro-ministro da terceira casa, a dos senadores. O Conselho da República dará apoio ao presidente na definição das metas de curto e longo prazo da nação, assegurando que as políticas públicas sejam baseadas em conhecimento técnico e estratégico.

A introdução da Casa do Notório Saber tem como objetivo principal garantir que as decisões legislativas sejam fundamentadas em conhecimento técnico e científico, reduzindo a influência de interesses partidários e grupos de interesse assim aumentando a eficiência das políticas públicas. Com a diversidade de especialistas e a aleatoriedade na seleção, espera-se promover uma representação dos maiores cérebros da sociedade, refletindo necessidades e soluções com base empírica.

O desejo do povo; a casa dos senadores

Embora frequentemente critiquemos os políticos, é crucial reconhecer que eles desempenham um papel vital na negociação de acordos e na resolução de impasses políticos, além de criarem soluções criativas para desafios complexos. 

A terceira casa, a Casa do Povo, será composta por senadores eleitos proporcionalmente por cada estado, garantindo uma representatividade justa e equilibrada. 

O primeiro-ministro, que será responsável por atingir as metas nacionais, será escolhido entre os membros desta casa. Esta estrutura permitirá que a Casa do Povo funcione como um corpo legislativo efetivo, capaz de mediar e negociar políticas públicas de forma eficiente, aproveitando a habilidade política e a experiência dos senadores para superar estagnações e promover o progresso.

A nova arquitetura do poder

Adotar um modelo legislativo com três casas – uma formada por cidadãos selecionados aleatoriamente, outra composta por especialistas de notório saber, e a terceira por senadores eleitos – não é apenas uma reforma administrativa; é um passo revolucionário em direção a uma democracia verdadeiramente representativa, eficiente e inteligente. 

Ao integrar a realidade popular, a diversidade de experiências e a habilidade política, podemos superar os impasses e promover políticas públicas que atendam às necessidades reais da população.

Este modelo inovador promete restaurar a confiança nas instituições democráticas, garantindo que cada decisão seja informada, orientada a resultados e focada no bem-estar coletivo. 

É hora de abandonar práticas obsoletas e abraçar uma nova arquitetura de poder, onde cada voz é ouvida, cada conhecimento é valorizado e cada ação é em direção ao alcance de metas concretas. Somente assim, poderemos construir uma nação mais forte, inclusiva e próspera para todos - garantido nossas liberdades individuais. 

Para acompanhar a série especial sobre a evolução do sistema democrático, leia o primeiro texto:  À Beira do Colapso.

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