Quantas coisas em nossas vidas acreditamos serem imutáveis até descobrirmos que não são. Por exemplo, as expectativas entre gêneros, como a ideia de que os homens devem ser os provedores financeiros, enquanto as mulheres cuidam da casa e dos filhos. Ou a mudança na forma de saudação por conta da Covid-19. Casamentos entre o mesmo sexo, mulheres que usam calças e não saias, o crescimento do secularismo, o estigmatismo do divórcio, trabalho de casa, entre tantas outras mudanças.
A necessidade de previsibilidade e uma zona de conforto para reduzir a ansiedade diante da incerteza são motivos que nos fazem acreditar na imutabilidade. Além disso, nossa cognição também desempenha um papel importante. O efeito da ancoragem nos leva a usar o passado para projetar o futuro, o viés de confirmação nos faz interpretar informações que confirmam nossas crenças preexistentes e, por fim, o forte efeito do medo sobre nossas decisões que têm mais força que a esperança.
A influência da cultura, tradição e religião muitas vezes inibe o pensamento divergente, reforçando a ideia de estabilidade. Nossa fisiologia cerebral, que busca economizar energia através do reconhecimento de padrões e da generalização, também contribui para essa percepção de falsa estabilidade.
Os meios de comunicação, ao repetirem narrativas pré-determinadas, e os incentivos políticos de indivíduos que desejam manter sua posição de poder, ou seja, o status quo, e rejeitam veementemente a mudança, fortalecem ainda mais essa crença.
Mas como a rigidez de pensamento impacta nossas vidas no que diz respeito aos impostos? O mecanismo funciona assim: criam-se tributos para atender a algumas necessidades como o direito de ir e vir (obras públicas), segurança (exércitos e polícia) e compra e venda de bens (administração estatal). Descobre-se que ainda há muitas outras necessidades que não foram atendidas. O custo político de cancelar o uso de verbas do passado é alto, uma vez que ninguém quer lidar com a dor de cabeça que são as greves. O processo recomeça.
Na Mesopotâmia e no Império Romano, os impostos eram baixos, geralmente abaixo de 10% do PIB. Com o surgimento dos Estados-nações na Idade Moderna a tributação atingiu de 10-15% do PIB. Após as guerras mundiais, a arrecadação atingiu 20-30% do PIB e, com a introdução do “Estado de bem-estar social”, chegamos a tributar 30-40% de tudo que é criado durante o ano.
Em que ponto isso para? Em que momento dizemos que há algo de errado nesse modelo? Veja, não existe hipótese de sucesso! Sempre será possível dizer que alguma injustiça requer mais orçamento. Em contraste, qual é a probabilidade de que algum órgão que usa verba pública diga: “Atingimos nosso objetivo, não há mais necessidade para existência deste departamento, podemos fechar e devolver a verba ao pagador de impostos.” Percebe o conflito de interesse?
O interessante é que, na minha opinião, a solução já existe. Ela é usada praticamente todos os dias pelos governos ao redor do mundo para gastarem mais do que deveriam. No entanto, nossa doutrinação é tão forte, tão poderosa, que não questionamos, não reclamamos, não criticamos e muito menos saímos às ruas.
Segundo o laureado do prêmio Nobel de Economia, em 1976, Milton Friedman, o limite máximo de arrecadação de tributos deve ser um artigo da constituição. Já o bilionário Warren Buffett disse: “Eu poderia acabar com o déficit em 5 minutos. Basta aprovar uma lei que torne o Congresso inelegível para reeleição se o déficit for superior a 3% do PIB”.
Na minha visão, o governo federal deve ter um orçamento constitucionalmente limitado a, por exemplo, 10% do PIB. Caso deseje aumentar sua arrecadação, isso deve ser realizado através do mercado de capitais, por meio da emissão de debêntures especiais. Nesse processo, o mercado precifica, juros são pagos ao comprador, e, a cereja do bolo, um prospecto deve ser disponibilizado, oferecendo transparência ao projeto, ou seja, como o capital será investido, quais são os benefícios sociais e as métricas de avaliação.
Além disso, devem ser feitos alertas e comunicados periódicos sobre o andamento do projeto, com penalidades para administradores públicos em caso de não cumprimento do prospecto dentro de margens relevantes. Por fim, deve haver um limite constitucional de até duas vezes o máximo previsto, ou seja, 20% do PIB, para limitar o governo às suas funções essenciais, incluindo estados e prefeituras.
Desta forma, um projeto mal elaborado ou gerenciado por um administrador público com currículo questionável simplesmente não conseguirá levantar capital ou terá que pagar um grande prêmio. Alternativamente, ele poderá tomar medidas cabíveis para reduzir o risco percebido pelo mercado.
Em vez de realizar projetos que aumentem a produtividade e fechar departamentos irrelevantes, o governo na maioria das vezes prefere manter o cabide de empregos e repassar a conta para o cidadão ao ter que lidar com conflitos políticos. A proposta impede, em primeiro lugar, que o governo trabalhe fora dos limites de seu orçamento, transferindo seu desafio para a população. Como disse o economista Thomas Sowell "Não há soluções. Existem apenas escolhas com concessões."
Para melhorar a execução de diferentes projetos públicos, a implementação poderá ser realizada pelo setor privado, enquanto a garantia ficará a cargo do setor público. Isso resultará em uma melhor avaliação de crédito, aproveitando a eficiência pela qual a iniciativa privada é conhecida.
Se você se pergunta sobre o futuro dos programas sociais, a resposta é simples: eles seguirão o mesmo rigor que qualquer outro programa. A diferença é que o governo não terá carta branca para agir arbitrariamente. Todo o processo será transparente, e será necessária a renovação periódica dos projetos. Por exemplo, se a proposta de uma década estiver no final e precisar de mais 5 anos, ela deverá ser tratada como um novo planejamento; isso obriga a prestação de contas e promove o aprendizado público, do setor privado e da administração pública.
Um programa social bem desenhado deverá aumentar o PIB e consequentemente a arrecadação, possibilitando pagamentos aos detentores das debêntures.
Imagine também que o trabalhador brasileiro, no lugar de pagar imposto de renda, irá receber receita do estado por lhe emprestar capital para financiar projetos. Se bem aplicado, o total a receber pode ser maior do que o valor a pagar, criando um cenário de imposto zero ou melhor, negativo. Utopia que pode se tornar realidade.
Em 1983 e 1984, tivemos no Brasil um movimento político crucial chamado ‘Diretas Já’, que mobilizou milhões de brasileiros em prol da realização de eleições diretas para a presidência da república. Em um contexto de transição da ditadura militar para a democracia, o movimento, impulsionado pela proposta da Emenda Dante de Oliveira, reuniu políticos, artistas e cidadãos em manifestações massivas. Embora a emenda não tenha sido aprovada, a pressão popular pavimentou o caminho para a redemocratização do país. Os pessimistas da imutabilidade mais uma vez se provaram equivocados.
Grandes mudanças podem acontecer se houver unidade. O mau gasto de nosso dinheiro pelos governantes é a fonte dos males da nossa sociedade. Isso requer acreditar que a realidade é mutável, começando por nossas atitudes. A ditadura militar durou 21 anos, mas não há dúvidas de que a luta pela democracia valeu a pena. Assim também a luta por um sistema tributário orientado a resultados.