O poder da semântica
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O poder da semântica


A semântica, definida como o estudo do significado que se oculta por trás de palavras, frases, sinais e símbolos, é um pilar fundamental na construção da comunicação humana. Exemplificando, ao mencionarmos "data", imediatamente somos transportados para conceitos de dia, mês e ano, conforme estabelecido pelo calendário gregoriano, salvo raras exceções, como os judeus ortodoxos que seguem o ano lunar. Similarmente, ao falarmos em uma tomada de "110" ou "220", é intuitivo que nos referimos à sua voltagem.

Essa habilidade de decifrar significados é crucial para nossa interação com o mundo. É ela que viabiliza a compreensão de símbolos universais como a marca, modelo ou ano de um veículo que automaticamente nos trazem ao consciente uma enorme quantidade de informações relacionadas, como a Porsche que nos remete ao luxo e ao alto valor, o mesmo para a Lamborghini, que também nos lembra esporte e velocidade, e por aí vai. 


Entretanto, o emprego equivocado ou incompleto de uma palavra pode resultar em falhas comunicativas e até mesmo conflitos. Como exemplo, quando a politização dos significados tornam-se cada vez mais polarizados. 

A reflexão que busco provocar com este texto é sobre a subvalorização do estudo da semântica, tanto no meio acadêmico quanto escolar, apesar de sua clara relevância nos negócios, na política e nos diversos aspectos sociais. Em meu livro, “Pense com Calma, Aja Rápido” (2018), começo minha reflexão com dois temas, a granularidade e o escopo, que assim como a semântica, podem levar pessoas a interpretações completamente diferentes das ‘mesmas palavras’.

Particularmente no âmbito tecnológico, a semântica é integrada aos metadados fornecendo camadas de explicação aos dados apresentados. Sem entendê-los, não podemos transformá-los em informação. Por exemplo, imagine a palavra ‘distância’ seguida pelo número 100. Podemos estar falando de centímetros, metros, quilômetros ou outro. Parece simples, mas não é.

O caso da Mars Climate Orbiter, uma sonda espacial que falhou em sua missão de orbitar Marte, em 1999, devido a um erro de navegação causado pela confusão entre unidades métricas, destaca a importância crucial da compreensão semântica. A falha, originada do uso de sistemas de medição diferentes por equipes da NASA e da Lockheed Martin, sublinha como a precisão na comunicação e a padronização de linguagem são fundamentais, especialmente em contextos técnicos complexos como a exploração espacial. 

Muitos advogados entendem o risco da má interpretação semântica da informação, e começam o texto contratual muito antes de entrar no mérito em questão, na definição semântica dos diferentes termos, para minimizar conflitos. Este princípio é raramente visto em outras partes da sociedade, ignorando sua importância. 

Ludwig Wittgenstein, um influente filósofo austríaco-britânico, disse: "Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo". Esta reflexão sublinha a conexão intrínseca entre linguagem, pensamento e compreensão do mundo, evidenciando a importância vital da semântica.

Um importante estudo a ser citado é o trabalho de George Lakoff e Mark Johnson, chamado "Metaphors We Live By" (1980), que explora como as metáforas influenciam nosso entendimento e como interagimos com o mundo ao nosso redor. Este trabalho destaca a magnitude da semântica na formação de nossos conceitos e raciocínio, sugerindo que nossa linguagem não apenas reflete, mas também molda nosso pensamento. Para quem conhece a cultura latina americana, sabe que “sim” nem sempre  é necessariamente uma afirmação, e que a expressão “nos falamos mais tarde” ou “nos encontramos às 15h” tem interpretações semânticas diferentes entre Brasil e Estados Unidos, por exemplo. 

Pesquisas em ciência cognitiva como o trabalho de Lakoff e Johnson, ou ainda o livro de Steven Pinker, "The Stuff of Thought" (2007), não só discutem como a linguagem revela as formas de pensar e os modelos conceituais que usamos para entender o mundo, como também revelam que a semântica não só facilita a troca de informações, mas também influencia nosso raciocínio e percepção global.

Pessoalmente, ao começar palestras e aulas, sempre me preocupo como serei  interpretado, pois não é claro o conhecimento de quem está do outro lado, sob qual prisma semântico aquelas pessoas vão reflexivamente analisar as informações que tenho para passar. Como exemplo, ao planejar uma palestra motivacional para dois grupos hipotéticos, o primeiro composto por religiosos e o segundo por ateus, seria fundamental construir histórias com uso semântico distintos ou você arrisca o fracasso total. Prefiro realizar uma breve pesquisa para identificar arquétipos do ponto de vista semântico, de modo a adaptar meu conteúdo, quando possível, com antecedência ou mesmo em tempo real.

Concluindo, a semântica transcende a simples análise de significados; ela é a chave para a compreensão e a comunicação eficaz, é ela quem faz a mediação entre o individual e o coletivo, entre o expresso e o interpretado. Seu papel é indispensável na promoção da clareza e no entendimento mútuo, sendo, portanto, essencial que o estudo da semântica receba a devida atenção no processo educacional, no uso diário e principalmente por líderes e pessoas públicas.

Tal enfoque preparará as futuras gerações para um mundo onde uma comunicação transparente, assertiva e multicultural. Este investimento no entendimento semântico é um passo crucial para navegar com sucesso no vasto oceano da linguagem, ampliando nossa habilidade de influenciar, persuadir e, primordialmente, compreender.

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