A cobertura de boa parte da imprensa, bem como de muitos influenciadores digitais políticos, acerca das manifestações contra o Presidente Jair Bolsonaro realizadas no dia 12 de setembro vacilou entre a visão míope e o excesso de torcida.
É claro e evidente que o número de manifestantes nas ruas foi muitas vezes menor do que aquele observado no dia 07 de setembro, em atos convocados pelo próprio Presidente da República. Mas querer quantificar a oposição ao governo federal ou o apoio à terceira via nas eleições de 2022 com base no volume de pessoas nas ruas no último domingo é uma ginástica que beira a desonestidade com o leitor.
Primeiro é preciso observar o que dizem as últimas pesquisas de opinião contratadas por bancos, corretoras de valores e associações do setor produtivo: a desaprovação ao governo Bolsonaro segue aumentando e já é duas vezes maior que a aprovação.
Isso significa que uma maioria qualificada da população não vê em Jair Bolsonaro um líder que está sabendo lidar com os problemas do país, algo que fica cristalizado quando as pesquisas abordam também a intenção de voto para as eleições presidenciais do próximo ano. Bolsonaro perde para praticamente todos os possíveis adversários.
Depois precisamos refletir a respeito do ânimo das pessoas que estão em casa assistindo ao noticiário pesadamente político desde o início da pandemia de covid-19. O que as levariam a sair de casa nesse momento, mesmo se identificando com a pauta das manifestações? Nós já assistimos ao fenômeno das ruas no Brasil algumas vezes desde a redemocratização.
Em geral os atos começam pequenos, contando apenas com o pequeno grupo de militantes mais aguerridos. Mas acabam por ampliar a percepção de que existem movimentos se organizando para expor uma insatisfação comum e servem para provocar a reflexão de quem ficou em casa. Se a situação econômica e política do país se deteriora, torna-se razoável esperar um público crescente disposto a ir às ruas para expressar sua indignação.
Mesmo as manifestações de apoio a Bolsonaro foram sendo construídas ao longo do tempo. Praticamente desde o inicio do governo, em 2019, o Presidente tem rodado o país trabalhando no imaginário de seus seguidores o enredo da vitimização, de que o Congresso, o Supremo Tribunal Federal, os governadores de oposição, a imprensa, o Centrão e outros atores do “sistema” não o deixam trabalhar e impedem que ele entregue os avanços prometidos durante a campanha de 2018.
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Foram inúmeras viagens, discursos, carretas, motociatas e eventos de todo tipo até se chegar ao ápice no 7 de setembro de 2021. Mas da mesma forma que as centenas de milhares de pessoas que estavam nas ruas no dia da Independência não representam a totalidade do bolsonarismo, o universo daquelas que rejeitam o Presidente é milhares de vezes maior do que a quantidade de pessoas que protestaram nas ruas cinco dias depois.
E precisamos considerar também a pauta em si.
Os discursos golpistas do dia 7 e os ataques diretos ao Ministro Alexandre de Moraes deixaram os nervos do país à flor da pele e abriram espaço para que a possibilidade de impeachment de Bolsonaro fosse abertamente discutida pelas principais forças políticas do país.
Com isso, as manifestações que estavam marcadas como sendo um ato de defesa do “nem Lula e nem Bolsonaro” em 2022 se transforam na reta final em uma união de diversas frentes pedindo o impedimento do presidente.
O problema é que parece não ter havido tempo suficiente para que a mudança de pauta se consolidasse com clareza na percepção de um público mais amplo.
Por fim, pesou também o forte trabalho realizado pelo bolsonarismo e pelo PT para esvaziar as manifestações.
Como interessa a ambos enfrentar um ao outro nas urnas, foram inúmeros ataques antes, durante e depois, feitos de forma muito eficiente para afastar boa parte das pessoas que se identificam com o pedido de impeachment do chefe do executivo. Vale o registro de que a hashtag #DomingoNoSofáComLula chegou a constar nos tranding topics das redes sociais na véspera das manifestações.
Dessa forma, precisamos enxergar o dia 12 de setembro pelo que ele de fato é: um evento que reuniu, em um momento extremante delicado para o país e para os brasileiros, uma militância importante e barulhenta, especialmente em São Paulo onde discursaram de João Amoedo a Orlando Silva, para pedir a saída do Presidente da República.
A carta feita por Michel Temer e assinada por Jair Bolsonaro pedindo paz ao Ministro Alexandre de Moraes dá um respiro institucional ao país, mas a experiência desses últimos quase 3 anos mostra que não deve demorar muito até que a insegurança em relação ao futuro da família presidencial leve Bolsonaro a fazer novas bravatas e partir para o ataque.
Com isso, sua credibilidade deve continuar em queda e a indignação da população deve continuar aumentando. Assim, temos os ingredientes necessários para tornar imprevisível o resultado do processo de mobilização popular que apenas se iniciou no último domingo.