Modelos trídimensionais do novo coronavírus e da proteína spike, que serviu de base para vacina experimental
Reprodução/NIAID-NIH
Modelos trídimensionais do novo coronavírus e da proteína spike, que serviu de base para vacina experimental

Já existem pelo mundo ao menos 41 iniciativas para criação de uma vacina contra o novo coronavírus, segundo a divisão de desenvolvimento e pesquisa da OMS (Organização Mundial da Saúde). Apenas uma, porém, já chegou ao estágio de testes em humanos e apresenta alguma esperança, ainda que limitada, de chegar a um produto aprovado em menos de dois anos.

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A vacina em desenvolvimento mais avançado, criada pela empresa de biotecnologia Moderna em conjunto com os NIH (Institutos Nacionais de Saúde dos EUA), entrou em ensaio clínico de fase 1 (que avalia se não é tóxica ou provoca efeitos colaterais graves), e as ações da empresa já subiram nas bolsas de valores.

A estratégia usada para produzir a vacina, porém, é uma aposta ainda incerta, apesar de rápida. Ela consiste no uso de segmentos de RNA (material genético do vírus) segmentados em laboratório, que tem o objetivo de precipitar o sistema imune a agir contra o coronavírus .

Segundo Jorge Kalil, cientista do Incor (Instituto do Coração) que trabalha no desenvolvimento de vacinas, a importância da aposta nessa vacina agora é que ela tem baixo risco de toxicidade .

"Quando existe uma uma crise como esta pandemia , as pessoas pensam sempre em fazer vacinas que tenham muito chance de ser seguras para passar rápido pela fase de registro 3 disse o pesquisador ao Globo. Ele alerta porém, que a chance de a nova vacina produzir resposta imune ainda é preciso ser comprovada. Essas abordagens como a do RNA são boas porque são rápidas e seguras, mas não costumam ser suficientemente imunogênicas", disse.

Um reflexo disso é que nenhuma vacina produzida numa plataforma de pesquisa como a da Moderna chegou ainda ao mercado.

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Há outros seis centros de pesquisa seguindo estratégia semelhante, correndo o mesmo risco de apostar numa estratégia ainda não validada. Se essa abordagem falhar, iniciativas com métodos tradicionais mais consagrados (e lentos) entram em cena. Um deles é o uso de vírus vivos atenuados. Seria preciso conseguir produzir uma versão "fraca" do coronavírus para ser usada como vacina. A OMS lista uma única iniciativa, do Serum Institute da Índia, que tem uma vacina de vírus atenuado já em testes de segurança em animais.

"Usar vírus atenuado é ótimo, mas demoramos anos para provar que eles são atenuados e não provocam reação", explica Kalil.

Outra abordagem rápida e segura é usar "subunidades proteicas", partes das proteínas que compõem o vírus, para tentar despertar o sistema imune, a linha de defesa do organismo humano .

Na intenção de lançar mão de todos os recursos, a comunidade científica está também apostando em estratégias mais comuns, como o usar o próprio coronavírus SARS-CoV-2 como vacina, mas empregando unidades "mortas" do vírus, incapazes de se replicar.

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Estão no esforço internacional diversas gigantes farmacêuticas tradicionais, como Sanofi, Janssen e GSK, dezenas de empresas de biotecnologia menores e muitas instituições de pesquisa acadêmica (algumas em parceria com iniciativa corporativa).

Com exceção da vacina da Moderna, todas ainda estão em fase chamada de pré-clinica de testes contra o novo vírus. Isso significa que estão sendo testadas em tubo de ensaio ou em animais.

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Entre iniciativas ainda não listadas pela OMS está a do próprio Incor, que segue uma metodologia classificada pela organização como "vetores virais não replicantes".

"A gente constrói uma "casca" de um vírus, vazia, e usa nela pedaços de coronavírus para tentar desencadear a resposta imune", explica o pesquisador.

Por não conterem material genético do vírus, esses vetores, que os cientistas batizaram com a sigla VLP (de "partículas semelhantes a vírus", no inglês), não se reproduzem e têm maior grau de segurança.

Num documento que a ONU produziu em 13 de março listando 41 iniciativas já em andamento, seis delas tiveram estratégias listas como "desconhecidas", por envolverem abordagens não comunicadas ou ainda pouco descritas na literatura científicas.

Alvo na mira

Além das pesquisas de vacina que já produziram um produto candidato a ser testado, há ainda centenas de grupos de pesquisa que estão em estágio ainda anterior ao pré-clínico, estudando o vírus para tentar achar "alvos", partes do patógeno que possam ser usadas para produzir um imunizante. Estudos de biologia molecular sobre a estrutura do vírus estão sendo submetidos às dezenas para as principais revistas científicas do mundo, ou simplesmente depositados em sites de "pré-prints", artigos acadêmicos que ainda não passaram por revisão independente.

Entre os alvos mais populares estão partes da proteína "espícula" (a que parecem ser os espinhos do vírus), aquela que se liga a células humanas para invadi-las. Como ficam na superfície do patógeno, elas são mais facilmente reconhecíveis pelo sistema imune. E se o vírus sofrer uma mutação nelas, pode perder o potencial infectante.

A multiplicidade de iniciativas de pesquisa é animadora, diz Kali, mas é mesmo necessária diante da dificuldade de se criar um produto eficaz. Um estudo da Universidade Erasmus, da Holanda, mapeou o cenário global de pesquisa durante 12 anos (1998-2009) e concluiu que apenas 6% dos produtos que chegaram à fase pré-clinica chegaram posteriormente no mercado. Para isso precisam passar da fase 3, que avalia eficácia em grandes grupos de pessoas. Além disso, a média de tempo necessário para aprovar uma vacina foi de dez anos.

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Anthony Fauci, cientista que chefia o NIAID, afirma que a vacina do instituto em parceria com a Moderna tem uma chance de se tornar um produto aprovado em menos de dois anos. Essa hipótese, porém, parte da premissa de que seu processo de desenvolvimento siga praticamente sem nenhum percalço, sobretudo por não ter sido testada em animais antes de ir para seres humanos.

Não faltam cientistas que apontam preocupação com a falta de animais adequados para testes em laboratório. O coronavírus não infecta camundongos de laboratório naturalmente, e já há grupos de pesquisa tentando criar roedores geneticamente modificados capazes de se infectar. Antes disso, cobaias praticamente só se prestam a testes de segurança, não de eficácia.

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