Além de investigar o anestesista Giovanni Quintella Bezerra por estupro, a Polícia Civil também apura se o médico se valia da posição ocupada nos procedimentos para aplicar uma quantidade excessiva de sedativos nas vítimas, o que facilitaria os abusos. A demora das pacientes para despertar após as cirurgias foi um dos fatores que geraram desconfiança na equipe de enfermagem, que acabou montando uma espécie de “operação flagrante” para desmascarar o profissional.
"Se nós comprovarmos que houve sedações desnecessárias ou que, em doses excessivas, possam ter causado prejuízo ou risco à vítima, pode haver configuração de outros crimes. E aí a gente vai avaliar qual seria o tipo penal", explicou a delegada Bárbara Lomba, responsável pelo inquérito e titular da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de São João de Meriti.
Nesta terça-feira, foram ouvidos na especializada mais três integrantes da equipe de enfermagem e duas médicas do Hospital da Mulher Heloneida Studart, que estavam presentes na cirurgia durante a qual ocorreu o abuso filmado. Em depoimento, outro anestesista da mesma unidade de saúde contou que realiza cerca de 90 cirurgias por mês, mas que, em geral, só é necessária a sedação da paciente em apenas duas. Preso após participar da terceira cesárea consecutiva no último domingo, Giovanni teria utilizado o recurso em todas as intervenções.
Ainda segundo os relatos colhidos pela Deam, o anestesista usou os medicamentos Propofol e Ketamina nas mulheres logo após o parto. Contudo, além da suspeita sobre a quantidade de sedativo aplicada, a própria escolha pelas duas substâncias também causa estranheza em profissionais da área.
"São duas medicações extremamente raras de uso na cesariana. Habitualmente, a sedação que você precisa fazer é um tranquilizante leve após o nascimento do bebê, caso a mãe tenha alguma crise de ansiedade. Esses medicamentos só se usa no caso de falha de bloqueio (pela anestesia que paralisa da cintura para baixo). Eles podem ser usados, mas como exceção. E é bastante incomum", resume Renato Sá, vice-presidente da Associação de Ginecologista e Obstetrícia do Estado do Rio.
O médico pondera, porém, que não é frequente que obstetras e anestesistas troquem informações ao longo do parto:
"Quem dá a palavra final sobre a anestesia é o anestesista. Cada um fica no seu quadrado, separados por um pano, fazendo a sua parte."
Ao depor, uma das enfermeiras de plantão no último domingo contou que, na cirurgia em que o estupro foi gravado, Giovanni “sedou totalmente a paciente, utilizando Propofol e Ketamina”. Já outra profissional de enfermagem afirmou que, ao fim do procedimento anterior, “a paciente estava bastante sedada, tendo Giovanni utilizado um frasco de Propofol, quantidade a qual a declarante diz ser demasiada, tendo em vista o que outros anestesistas ministram”.
Segundo a bula, o Propofol é indicado “para indução e manutenção de anestesia geral em procedimentos cirúrgicos”, fazendo com que “o paciente fique inconsciente ou sedado”. A Ketamina tem uso similar e, além disso, também é difundida como droga recreativa, batizada de “Special K”, por conta dos efeitos alucinógenos ocasionados por ela.
Procuradas pelo GLOBO, a Sociedade Brasileira de Anestesiologia e a Sociedade de Anestesiologia do Estado do Rio de Janeiro não se pronunciaram. Já o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) informou, no início da noite, que Giovanni está suspenso preventivamente. Com a decisão, ele fica impedido de exercer a profissão em território fluminense.
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