O Instituto Fogo Cruzado, plataforma que mapeia tiroteios no Rio de Janeiro, registrou, somente este ano, 42 confrontos no Complexo do Salgueiro , em São Gonçalo. O número dá, em média, um tiroteio por semana. O último - e mais letal dos últimos meses - aconteceu no domingo , durante uma ação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) contra criminosos da região: nove pessoas morreram, e oito corpos foram encontrados em uma área de mangue . Eles foram recolhidos pelos próprios moradores.
São Gonçalo tem sido uma das mais violentas cidades da Região Metropolitana. O Instituto Fogo Cruzado também mapeou 48 episódios com três ou mais mortes de civis. Ao todo, foram 167 mortos neste recorte, nos últimos cinco anos.
'O extremo não pode virar rotina', critica especialista
Jonas Pacheco, pesquisador da Redes de Observatório da Segurança e cientista social, criticou a ação da Polícia Militar. Pacheco aponta que as forças de segurança do estado do Rio são as mais letais do país, e afirma que "o extremo não pode virar rotina".
"As polícias, enquanto instituições de segurança, têm que ter ações de inteligência que não necessitem ter tamanha letalidade. A Polícia Militar tem essa prerrogativa do uso da força, mas o extremo não pode virar rotina. As polícias Federal, Civil, Militar têm exemplos de operações bem sucedidas que não têm disparo de armas de fogo, e isso não é enaltecido. Eles preferem outro tipo de política", afirma.
O pesquisador lembra ainda que nem mesmo a 'ADPF das Favelas', que limitava operações policiais durante a pandemia, fez parar o ciclo de letalidade das ações.
"Esse número da letalidade vem aumentando cada vez mais desde 2013. No ano de 2020 a gente teve um arrefecimento por conta de uma ação expressa do STF (Supremo Tribunal Federal) que culminou na ADPF das Favelas, que reduziu um pouco essas ações, mas ainda assim elas aconteceram. O Rio teve mais de 1.239 mortes por agentes por estado, e esse ano já batemos a marca das mil mortes. Isso está levando segurança às pessoas?", questiona.
Defensoria Pública diz que operação no Complexo do Salgueiro foi comunicada tardiamente
Defensoria Pública do Rio, por meio do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) e da Ouvidoria Externa, informou que a operação no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio, que vitimou ao menos oito pessoas, foi comunicada tardiamente ao Ministério Público do Rio (MPRJ). Segundo a instituição, a ação militar só foi comunicada no sábado (20) à tarde, embora tenha começado de manhã. Já o MPRJ instaurou um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) próprio para investigação. Um perito integrante do quadro técnico da instituição também foi designado ao Instituto Médico Legal (IML) para acompanhar o exame dos corpos.
MP analisa 'eventuais violações a direitos'
O MP informou que vai analisar eventuais violações a direitos praticados na execução da operação, tendo sido a ação regularmente comunicada pela Polícia Militar ao MP. "O MPRJ adotará todas as medidas cabíveis para o regular desempenho de suas atribuições no exercício finalístico da ação penal pública em relação a eventuais ilícitos penais praticados, no efetivo exercício do controle externo da atividade policial", diz a nota.
Polícia Civil investiga não acionamento de delegacia após mortes
A Polícia Civil informou que vai investigar o motivo da Polícia Militar não ter comunicado as mortes durante a operação no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Pelo menos oito mortos já foram retirados do local por populares, no entanto, segundo moradores, mais corpos podem estar espalhados por áreas de difícil acesso do mangue que margeia a comunidade. "O resultado que vocês estão vendo é isso aí: oito corpos que a gente encontrou, fora aqueles que possivelmente podem estar perdidos pelo mangue ainda", afirmou um morador, que não será identificado.