
Os queixadas, porcos selvagens da família Tayassu pecari , voltaram a ser vistos na região serrana do Rio de Janeiro , após mais de 80 anos. Bandos foram documentados na Reserva Biológica Estadual (Rebio) de Araras, em Petrópolis.
Considerado extinto localmente, a espécie de porco selvagem nativo do Brasil, ameaçada em todo país devido ao desmatamento e à caça, foi redescoberta entre os municípios de Petrópolis e Miguel Pereira.
A Rebio de Araras fica a menos de 25 quilômetros do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, onde estudos anteriores apontavam a extinção local dos queixadas.
As primeiras imagens de um grupo da espécie, por meio de armadilhas fotográficas, foram capturadas em 2021 e monitoradas ao longo de três anos.
Em 2022, teve início um monitoramento sistemático, liderado pela pesquisadora e guarda-parque do Inea-RJ, Vanessa Cabral Barbosa, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Com armadilhas fotográficas instaladas em pontos estratégicos da unidade de conservação estadual, foi possível confirmar a presença dos queixadas em diversos pontos da reserva de Araras e em áreas adjacentes.
Foram documentados bandos compostos por 20 a 60 indivíduos; segundo os especialistas, a média da espécie é de 50 a 150 indivíduos por grupo, a depender da qualidade e tamanho do habitat.
O levantamento foi publicado em artigo na Revista Científica "Suiform Soundings", da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
“A redescoberta do queixada na Reserva Biológica Estadual de Araras representa um marco significativo para a conservação da biodiversidade na Mata Atlântica, especialmente diante do histórico de declínio populacional da espécie na região”, comemoram os pesquisadores em trecho do artigo.
Corredores ecológicos
Ainda de acordo com outro trecho do artigo, a redescoberta da espécie na Reserva Biológica de Araras ressalta a importância dos corredores ecológicos e da conectividade florestal para a recolonização e manutenção de populações viáveis na Serra do Mar.
A reserva é vizinha de outras quatro unidades de conservação de proteção integral – o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, a Reserva Biológica Tinguá, o Monumento Natural Estadual da Serra da Maria Comprida e o Refúgio de Vida Silvestre Estadual da Serra da Estrela.
O artigo ressalta, no entanto, as pressões que ameaçam os objetivos de conservação da reserva, como a caça, especulação imobiliária e incêndios florestais.
O monitoramento de mamíferos de médio e grande porte na Reserva Biológica Estadual de Araras também registrou uma maior densidade de catetos ( Pecari tajacu ) do que anteriormente estimada, o que pode indicar uma adaptação da espécie aos ambientes fragmentados.
Tanto o queixada quanto o cateto são ótimos dispersores de sementes e espécies-chave para manutenção das florestas.

Criada em 1977, a Reserva Biológica Estadual de Araras protege cerca de 3,8 mil hectares de remanescentes da Mata Atlântica. Por lá já foram documentadas outras espécies de mamíferos como a jaguatirica ( Leopardus pardalis ), a onça-parda ( Puma concolor ) e o ameaçado bugio-ruivo (Alouatta guariba).
Estratégias para sobrevivência da espécie
Os pesquisadores reforçam que a sobrevivência das populações de queixada na região depende da implementação de estratégias eficazes para o combate à caça, assim como para restauração de habitats e ampliação dos corredores ecológicos.
“A integração entre pesquisa científica e gestão ambiental é essencial para garantir a longo prazo a preservação dessa espécie-chave e dos processos ecológicos associados à sua presença na Mata Atlântica”, resumem os autores.
Antes da redescoberta dos queixadas na região serrana, a espécie só era conhecida em uma outra unidade de conservação no estado do Rio: o Parque Nacional do Itatiaia, na divisa com Minas Gerais e São Paulo, a mais de 120 quilômetros de distância em linha reta da Rebio de Araras.
Embora esteja presente em todos os biomas brasileiros e ocorra amplamente no país, o queixada é classificado nacionalmente como Vulnerável ao risco de extinção.
Situação da espécie no Brasil
De acordo com a mais recente avaliação feita pelo ICMBio, disponível na plataforma Salve, na Mata Atlântica foram identificadas populações de queixada em apenas 31,37% da área de remanescentes do bioma, com um total estimado de menos de 24 mil animais.
Na Mata Atlântica do nordeste, por exemplo, a espécie já estaria extinta.
Em outros biomas, os queixadas também enfrentam a ameaça do desmatamento e fragmentação do seu habitat. E mesmo na Amazônia, onde a espécie possui maiores chances de sobrevivência, a caça em excesso tem causado extinções locais significativas, alerta a avaliação do ICMBio.
Na última avaliação estadual do estado de conservação das espécies da fauna, feita em 1998, o queixada já era considerado como Em Perigo de extinção no Rio de Janeiro.