A carga extenuante de trabalho leva mulheres ao adoecimento mental
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A carga extenuante de trabalho leva mulheres ao adoecimento mental


A maior parte do trabalho realizado em tarefas dentro do lar - organização, limpeza, cuidar de pessoas e animais, cozinhar, educar e tantas outras - é desempenhada por mulheres, que dedicam o dobro de tempo a desempenhá-las (1.118 horas ou 47 dias em um ano)  quando comparadas ao tempo empenhado pelos homens (572 horas ou 23 dias em um ano). 

A invisibilização, sobrecarga, cansaço e falta de crédito associado ao desempenho de trabalho de cuidado - socialmente tratado como se fosse inerentemente feminino - gera um impacto tremendo sobre a saúde mental feminina, que mesmo antes da pandemia de Covid-19, as mulheres já eram 7 em cada 10 casos de depressão ou ansiedade diagnosticados no Brasil, segundo o relatório da pesquisa “Esgotadas”, elaborado pelo Laboratório Think Olga de Exercícios para o Futuro

Embora muitos outros fatores estejam associados ao adoecimento mental das mulheres (discriminação, pressões estéticas, empobrecimento, patologização de efeitos das mudanças hormonais…) a sobrecarga de trabalho de cuidado dentro e fora do lar sempre aparece associada aos mais diversos motivos para a insatisfação das mulheres com suas vidas, em todas as classes sociais e etnias (mas sempre com mais força nas negras e/ou mais pobres).


Nathecia Carolina, de 31 anos, é uma das mulheres cuja saúde mental é abalada pela sobrecarga de trabalho de cuidado que recai sobre as mulheres. Ela trabalhava em uma clínica veterinária, além de cuidar de sua grande família composta por seus 10 cachorros e pelo companheiro, Caio, que trabalha como pediatra.

“Geralmente ficava sozinha em casa enquanto meu companheiro estava no trabalho. Eu cuidava de tudo da casa: limpeza, organização, comida, feira, roupa, pratos, manutenções, contas e finanças. Além dos cuidados com os ‘dogs’, alimentação, recreação, limpeza, remédios, vacina. Nos momentos que estavam os dois em casa, dividíamos melhor dentro do que cada um tem mais habilidade para fazer. Porém a atenção e o cuidado aos detalhes sempre foi maior da minha parte.”

Isso até a chegada da primeira filha do casal, Maria Augusta, que no momento tem apenas 4 meses. A partir desse marco, Nathecia passou a se dedicar integralmente ao trabalho de cuidar da casa, dos cachorrinhos e de sua mais nova bebê. 

O nascimento de uma criança pode trazer sentimentos ambíguos à mãe, além de aumentar sua jornada de trabalho doméstico
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O nascimento de uma criança pode trazer sentimentos ambíguos à mãe, além de aumentar sua jornada de trabalho doméstico


“Na gravidez eu conseguia gerenciar melhor o tempo para essas atividades, apesar do cansaço de ter tido uma gestação cheia de sintomas, conseguia fazer as coisas no meu tempo, e conseguia ter mais tempo para mim mesmo, cuidando de mim fisicamente ou dedicando tempo a pequenas atividades que me dão prazer.” 

Sem uma rede de apoio para auxiliar nessa missão, Nathecia conta apenas com a colaboração de Caio, quando ele não está trabalhando, para manter tudo funcionando, limpo e toda a família feliz, saudável e entretida. 

“Além do fato de não conseguir estar presente na vida de algumas pessoas próximas, também senti transformações físicas: durmo menos, sinto mais dores no corpo, mais cansaço. Quando meu companheiro não está no trabalho, está em casa cuidando dela, dos cachorros ou da casa. Não temos rede de apoio para ‘revezar’ as obrigações de casa e com Maria, então nos revezamos.”

Mulheres dedicam o dobro do tempo para tarefas relacionadas ao cuidado, em comparação com os homens
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Mulheres dedicam o dobro do tempo para tarefas relacionadas ao cuidado, em comparação com os homens


Logo após o nascimento de Maria, Nathecia apresentou sintomas de “baby blues” ou “tristeza materna”, um estado de tristeza, melancolia, choro frequente, sensibilidade emocional aumentada, irritabilidade e ansiedade que acomete de 50% a 85% das pessoas que dão à luz, e costuma desaparecer em cerca de três semanas (diferentemente da depressão pós-parto, que pode perdurar por cerca de 18 meses).

Os sintomas do baby blues, associados às mudanças que ocorrem com a chegada de um bebê, deixaram Nathecia abalada. Ela relata que sua saúde mental “que poderia ser considerada estável, ficou muito bagunçada. Fiquei muito mais ansiosa, irritada e cansada psicologicamente”. 

Nathecia afirma que sua percepção da vida mudou muito com a maternidade, especialmente no que diz respeito às suas prioridades, planos, autoimagem e autoestima, de modo que a fez se sentir perdida e sem acolhimento.

“Passei umas duas semanas chorando, me sentindo sozinha e sem acolhimento. Minha cunhada e meu companheiro foram muito pacientes e acolhedores comigo, foi essencial para que eu me mantivesse firme. Tudo isso afeta não só a mim, mas também ao meu companheiro e minha filha, pois o cansaço mental muitas vezes não me permite ser quem realmente sou e ver as coisas com mais calma”.

Para passar por esse momento delicado, além de manter a terapia em dia, Nathecia ressalta que busca aproveitar ao máximo os momentos em que ela consegue ter um pouco mais de calmaria para fazer algo que lhe faz bem.

“Nem que seja simplesmente para olhar o teto, assistir uma série, comer com calma, tomar um banho demorado, fazer algo que gosto, passar um tempo com os dogs, conversar besteira ou colocar os pensamentos em ordem”, pois isso ajuda a enfrentar a ansiedade e “ver com mais clareza que tudo isso é uma fase, logo as coisas terão sua normalidade e novos desafios vão surgindo. Nunca será como antes, mas também não precisa ser ruim”.

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