Segundo o IBGE, as mulheres dedicam quase o dobro do tempo dos homens em tarefas domésticas
Licia Rubinstein/Agência IBGE Notícias
Segundo o IBGE, as mulheres dedicam quase o dobro do tempo dos homens em tarefas domésticas


O tema da redação do Enem 2023 trouxe à esfera pública de todo o Brasil uma importante discussão que, até então, estava localizada nos círculos de pessoas que se debruçam sobre estudos das relações de gênero: a invisibilização do trabalho de cuidado. Tratado como inerentemente feminino e visto como uma “demonstração de amor”, o trabalho de cuidado é, na verdade, um trabalho com pouca ou nenhuma remuneração — mesmo quando atrelado ao mercado de trabalho.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, 7 milhões de mulheres são trabalhadoras domésticas. Se deslocarmos o recorte para a América Latina e Caribe, no universo do trabalho doméstico, 93% das pessoas que desempenham essa profissão são mulheres.


Essas mesmas mulheres que são mal pagas para cuidar no trabalho precisam desempenhar esse mesmo papel em casa em meio a uma situação de vulnerabilidade, visto que dados da ONG Gênero e Número constatam que 63% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres negras abaixo da linha da pobreza.

Trabalho não pago que gera - muita - riqueza (para ou outros)

O trabalho reprodutivo é parte do trabalho de cuidado que recai sobre as mulheres
ParentiPacek/Pixabay
O trabalho reprodutivo é parte do trabalho de cuidado que recai sobre as mulheres



Alguns dados compilados pela equipe do Laboratório Think Olga apontam que essas atividades de trabalho de cuidado gratuito geram um volume enorme de riqueza (para a sociedade, mas nunca para elas). 

De acordo com a pesquisa “Tempo de Cuidar”, da Oxfam Brasil , “mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam 12,5 trilhões de horas, todos os dias, ao trabalho de cuidado não remunerado - uma contribuição de 10,8 trilhões de dólares por ano à economia global. Isso dá mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia do mundo”.

A mesma cifra também equivale a 11% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil e fica atrás de apenas quatro das maiores economias do mundo (China, Estados Unidos, União Europeia, e Índia). 

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o trabalho de cuidado movimenta mais dinheiro que outros grandes setores econômicos, como a indústria de transformação (9%), o setor agropecuário (4%) e o setor de construção (3%), por exemplo.

Desigualdade de gênero nos lares brasileiros

Cuidar de crianças, idosos e animais domésticos na saúde e na doença, organizar e limpar ambientes, cozinhar, lavar, passar, educar, brincar, ler, socializar, levar à escola, levar ao médico, supervisionar, dar banho, por para dormir… é uma lista imensa de atividades desvalorizadas e exercidas por mulheres tanto no lar quanto no emprego, todos os dias. 

Contudo, trata-de um trabalho essencial para toda a humanidade, visto que todo mundo precisa de cuidados para crescer, estudar, manter a saúde e realizar atividades que geram dinheiro e garantem o sustento. Além do mais, sem pessoas adultas e saudáveis, não há trabalho produtivo.

Diante de tudo isso, um número alarmante salta aos olhos: em média, as brasileiras gastam mais de 61 horas por semana desempenhando trabalhos de cuidado não remunerados. Ou seja, quase três dos sete dias da semana da vida das brasileiras é consumido por essas responsabilidades. 

A amamentação de uma criança, por exemplo, toma muito tempo das mulheres: cerca de 650 horas são dedicadas exclusivamente ao aleitamento materno apenas nos primeiros seis meses . É uma tarefa que tira da mulher a possibilidade de se dedicar ao trabalho e aos estudos, por exemplo, durante a maior parte desse período.

O tempo dedicado pelas mulheres às atividades de cuidado é discrepante em relação ao que os homens passam desempenhando essas mesmas funções. Dados do  Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que ser mulher, por si só, gera uma média de 11 horas a mais de trabalhos domésticos na comparação com os homens, que dedicam muito mais horas a atividades que geram retorno financeiro - e recebem remunerações melhores.

Além disso, quando há outras pessoas adultas na residência além do casal (considerando aqui casais heterossexuais), a dedicação masculina de tempo aos afazeres domésticos diminui ainda mais — principalmente se essa pessoa for uma mulher.

Muito além do trabalho reprodutivo

O simples fato de ser mulher acarreta 11 horas a mais de trabalho doméstico
klimkin/Pixabay
O simples fato de ser mulher acarreta 11 horas a mais de trabalho doméstico


Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2019, realizada pelo IPEA, questionou mulheres sobre os diferentes tipos de atividades que elas desempenham dentro de seus lares, e o resultado é alarmante. 

Quase a totalidade delas afirma ser responsável por cozinhar, servir, lavar e guardar a louça; por lavar e fazer a manutenção de roupas e calçados dos moradores da casa; e pelos cuidados com os animais domésticos da família.

Mais de 75% afirma que é encarregada de fazer as compras de casa; por limpar a casa, garagens e quintais; e por cuidar da organização doméstica pagando contas, contratando e orientando empregados (quando os têm). 


Adoecimento mental como consequência da sobrecarga feminina

A carga extenuante de trabalho leva mulheres ao adoecimento mental
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A carga extenuante de trabalho leva mulheres ao adoecimento mental



O impacto dessa realidade na vida das mulheres é tão grande que se torna muito difícil de mensurar, pois abarca desde o aprofundamento da desigualdade social em relação aos homens, prejuízos à carreira e precarização da qualidade de vida, até prejuízos à própria saúde feminina — especialmente a saúde mental — ao provocar estresse, exaustão, solidão, e até doenças como ansiedade e a depressão.

O relatório intitulado “Esgotadas”, da ONG Think Olga , ilustra essa triste realidade em que a junção de problemas financeiros, jornada de trabalho excessiva, pressão estética, discriminação e excesso de trabalho de cuidado levam mulheres ao adoecimento mental.

É uma realidade assustadora: 45% das mulheres 1078 brasileiras com mais de 18 anos entrevistadas na pesquisa contam que receberam um diagnóstico de ansiedade, depressão ou algum tipo de transtorno mental.

Esse adoecimento é fruto de um problema maior, uma vez que as brasileiras não demonstraram um bom índice de satisfação em nenhuma área de suas vidas. Os maiores índices de satisfação, em torno de 30%, se referem às relações familiares e amorosas.

A situação financeira e a conciliação das diferentes áreas da vida têm os piores índices – 14% e 21%, respectivamente. O nível de satisfação com o trabalho ficou em 22% e com a saúde emocional, em 24%.

Como forma de tentar amenizar os problemas - uma vez que a estrutura social não lhes permite saná-los - 89% das mulheres buscam alternativas para lidar com esse adoecimento, dentre elas: 

  • atividades físicas (40%)
  • religião/espiritualidade (37%)
  • tempo com família e amigos (35%)
  • cuidado com a alimentação (26%)
  • ficar perto da natureza (25%)
  • hobbies que impactam o bem-estar (24%)
  • terapia/análise (15%)

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