A presença da bandeira de Israel se tornou frequente, especialmente entre evangélicos bolsonaristas
Jacqueline Lísboa / Mamana Coletivo
A presença da bandeira de Israel se tornou frequente, especialmente entre evangélicos bolsonaristas


A escalada de violência em Israel, na Faixa de Gaza e Cisjordânia culminou numa declaração de guerra do país Judeu ao Hamas , grupo fundamentalista que usa a força para lutar contra Israel e pela implementação de um estado palestino. 

Diante do horror de um conflito que matou e feriu milhares de pessoas em menos de uma semana, chama a atenção o número de fiéis e líderes evangélicos no Brasil que apoiam de modo irrestrito o Estado Israelense e todas as suas ações políticas - mesmo as mais violentas. 

Contudo, o que seria uma surpresa muito grande no passado, hoje não é tão inesperado assim, visto que nos últimos anos bandeiras de Israel e o uso de símbolos judaicos como a Estrela de David se tornaram comuns em igrejas evangélicas. 

Além disso, essa parcela da população também passou a usar tal simbologia em atos políticos - alguns deles, de teor golpista - de apoio ao ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, uma figura pública que frequentemente busca associar sua imagem ao Estado de Israel. 

Mas o que explica esse fenômeno político, religioso e cultural em que cristãos enxergam a “vontade de Deus” sendo concretizada quando um país decide declarar uma guerra que promete ser longa e brutal?


"Necropolítica disfarçada de discurso religioso"

A reverenda da  Igrejas da Comunidade Metropolitana do Brasil (ICM) e co-fundadora da Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG), Alexya Salvador , acredita que esse apoio deriva de uma interpretação literal, equivocada, fundamentalista e fora de contexto do Antigo Testamento da Bíblia. 

“Isso envolve várias igrejas, inclusive católicos. Pessoas mais conservadoras que vão olhar para o texto sagrado do Antigo Testamento de forma anacrônica, achando que existe uma guerra em curso, promovida pelo próprio Deus de Israel”, levando “ao pé da letra” a ideia de que os descendentes do profeta Abraão são o povo escolhido de Deus para viver na terra prometida onde seria formada uma grande nação.


“O extremismo religioso é só um pano de fundo para promover guerra, caos e morte. A grande questão é uma leitura fundamentalista da Bíblia para justificar um extremismo religioso. Tenho amigos próximos que de alguma forma entendem que essa é a vontade de Deus, porque não se pode mexer com Israel, a nação escolhida de Deus para que viesse o salvador. A gente sabe através de Jesus que Israel é toda pessoa de bom coração com projeto social para o mundo”, disse Alexya. 

Para a reverenda e professora, essa descontextualização na interpretação dos escritos bíblicos é utilizada propositalmente por lideranças políticas como um pano de fundo que visa justificar os reais objetivos de quem profere esse discurso de ódio e guerra. 

“A imagem que se vende pro mundo é que essa guerra é feita em nome de Deus, vão jogar tudo na conta de Deus quando há uma necropolítica disfarçada de discurso religioso. A gente vê no antigo testamento um Deus que vai guerrear contra outras nações. O autor sagrado diz que uma supremacia escolhida por Deus vai guerrear, e que tudo que não é da vontade de Deus deve ser aniquilado.” 

A incongruência desse discurso, na visão de Alexya, se dá a partir do momento em que Jesus vem à Terra para apresentar à humanidade uma nova visão sobre a vontade de Deus e livrar o povo de seus pecados. 

“[No Antigo Testamento] Deus mandava matar inimigos, e Jesus vai nos apresentar um Deus que manda amar seus inimigos. O Deus de Israel é um Deus de amor, de justiça, que quer um bem viver pro mundo. Penso que a atitude do Hamas é uma tentativa de justificar suas ações políticas” disse a pastora.

Além da leitura literal e desatenta da Bíblia, outro ponto conecta diretamente os evangélicos à ideia de apoio incondicional ao Estado de Israel: na década de 1980, obras como o livro “A Agonia Do Grande Planeta Terra” se popularizaram pregando que o fim do mundo seria precedido da recriação da nação judaica na palestina, da reconquista de Jerusalém e da reconstrução de um templo sagrado. 

Como na década de 1970 os dois primeiros itens da lista haviam se cumprido, essa corrente de pensamento religioso passou a tratar Israel como um “relógio do fim do mundo”, que estaria cada vez mais próximo.


Alexya aponta que os fiéis que concordam com essa visão “vão defender com unhas e dentes que já está tudo pronto, programado, e todas essas ações [de Israel] são a vontade de Deus porque o final está próximo”.

“A gente precisa entender que ‘apocalipse’ significa ‘revelação’ e tudo isso já aconteceu. Entra século, sai século, a gente vê uma nação invadir outra e guerras em curso. Eles justificam numa leitura anacrônica esse modus operandi de pensar para justificar toda ação violenta que querem ter. No Brasil a gente também vê guerras políticas em curso, massacres da população negra, LGBT e indígena com esse mesmo discurso. No meu entendimento, enquanto o mundo existir, guerras serão postas em curso usando o texto sagrado” para implementar um ideal fascista na sociedade, disse a reverenda.

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