O cenário político brasileiro nos últimos anos deixou claro que o país está muito dividido, e os dois maiores grupos político-ideológicos do país na atualidade - o lulismo e o bolsonarismo - têm identidades e pautas distintas, opostas uma à outra na maioria dos aspectos. Contudo há alguns pontos de contato entre o pensamento de pessoas que estão de lados da “moeda”.
A pesquisa “A Cara Da Democracia no Brasil” foi realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (IDDC) entre os dias 22 e 29 de agosto de 2023, e aponta para alguns pontos de proximidade entre as opiniões de lulistas e bolsonaristas. As 'coincidências' tendem a ser mais presentes em temas para os quais os brasileiros têm posturas mais conservadoras.
Ao todo, foram feitas 2.558 entrevistas presenciais de eleitores em 167 cidades, de todas as regiões do país. A margem de erro é estimada em dois pontos percentuais para mais ou menos e o índice de confiança é de 95%.
Pautas de costumes
É o caso da legalização do uso de todas as drogas consideradas ilícitas e do aborto, por exemplo, que são rechaçadas por 77% e 71%, respectivamente, dos apoiadores do presidente Lula .
Entre os apoiadores de Bolsonaro , a rejeição a essas medidas é mais alta, com 90% dos eleitores contrários à legalização do aborto e 83% que se opõem à legalização do porte e consumo de drogas.
A prisão de mulheres que interrompem a gravidez, no entanto, tem rejeição semelhante nos dois grupos: 65% entre os lulistas, e 53% no eleitorado bolsonarista.
No que diz respeito à redução da maioridade penal, 62% dos apoiadores do atual presidente declaram-se favoráveis à medida. Entre os eleitores de Bolsonaro, esse índice é de 77%.
Há mais divergência de pensamento entre os “fãs” de Lula e Bolsonaro quando o assunto são os direitos da população LGBTQIAPN+. Entre os apoiadores de Lula, 60% apoia o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e 38% se opõem. No que diz respeito à adoção de crianças por esses casais, 63% dos lulistas são a favor, e 35% são contra.
Já no grupo identificado com o ex-presidente Bolsonaro, 69% rejeitam o casamento civil de pessoas LGBTQIAPN+ e 60% são contrários à adoção de crianças e adolescentes nas famílias formadas por pessoas do mesmo sexo.
Outro ponto de divergência acentuada entre os dois grupos é a punição para crimes hediondos com pena de morte. Entre os que gostam de Lula, 64% são contrários a esse tipo de sentença, enquanto os apoiadores de Bolsonaro se dividem, com 49% defendendo a medida, e 47% que não apoiam a adoção da pena de morte no Brasil.
Valores democráticos, desinformação e conspiracionismo
A maior discrepância de pensamento entre os apoiadores de Lula e Bolsonaro se dá no apreço (ou falta dele) aos valores do Estado Democrático de Direito e às instituições democráticas, com uma tendência mais autoritária no grupo bolsonarista.
Cerca de 40% dos simpatizantes de Bolsonaro admitem outros sistemas de governo que não a democracia, contra 33% entre os simpáticos a Lula. Além disso, 72% dos bolsonaristas continuam duvidando do resultado das eleições presidenciais de 2022, afirmando que Bolsonaro foi o vencedor.
No que diz respeito à ideia de golpe de estado, 73% desse eleitorado acha aceitável e justificável a tomada de Poder por parte dos militares quando há muita corrupção no país, enquanto 38% dos eleitores de Lula compartilham dessa visão.
Apesar das notícias, investigações e decisões da Justiça no sentido contrário, 68% dos bolsonaristas culpam Lula e militantes de esquerda pela execução dos atos golpistas e antidemocráticos em Brasília.
Sobre o mesmo tema, 56% dos simpáticos a Lula apontam Bolsonaro como o principal culpado da tentativa de golpe de estado, e 17% responsabilizam grupos radicais de extrema direita.
Isso se reflete, por exemplo, na relação que cada um dos grupos tem com a imprensa tradicional. Enquanto 45% dos bolsonaristas veem os veículos de comunicação como disseminadores de mentiras, esse índice cai para 27% entre os apoiadores do petista, que enxergam Bolsonaro e seus apoiadores como os culpados pela desinformação.
Essa desconfiança em relação à imprensa é uma das razões para o aumento da crença em teorias conspiratórias. Entre os apoiadores de Lula, 79% acreditam que as vacinas são benéficas, enquanto 67% dos simpatizantes de Bolsonaro pensam o mesmo. Além disso, a maior parte do segmento dos eleitores de Bolsonaro (65%) acredita que existe uma conspiração global para a esquerda tomar o poder.
No entanto, é comum aos dois lados (53% entre lulistas, e 74% entre bolsonaristas) a crença de que a China foi responsável pela criação do coronavírus que causa a Covid-19.
No que diz respeito à crença (falaciosa) conhecida como “terraplanismo”, a maior parte dos eleitores de ambos os lados não acredita que a Terra seja plana, com 72% dos lulistas e 79% dos bolsonaristas rechaçando essa teoria da conspiração.