A votação está em 5 a 1, num cenário que parece se encaminhar para a descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal
- Agência Brasil
A votação está em 5 a 1, num cenário que parece se encaminhar para a descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal


Na tarde da última quinta-feira (24), o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou a votação de um processo que pode levar à descriminalização do porte da maconha para consumo próprio.  O placar terminou em 5 votos a favor e 1 contra, do ministro novato Cristiano Zanin e está suspenso por um pedido de vistas do ministro André Mendonça. 

O julgamento que chegou ao STF se originou do caso de um detento flagrado com 3 gramas de maconha para uso próprio em sua cela e foi condenado por isso. Quando a Defensoria Pública do Estado de São Paulo recorreu, o caso alcançou a Suprema Corte questionando a constitucionalidade da criminalização do porte para consumo pessoal.

Durante os debates da sessão, os ministros debateram os termos da descriminalização que parece cada vez mais iminente, visto que basta mais um voto a favor para que a Corte forme maioria pela descriminalização, a partir do entendimento de que o Artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional por violar os direitos individuais dos adeptos ao uso da cannabis sativa e ter gerado uma explosão do encarceramento por tráfico. 


Em busca de um consenso para determinar parâmetros para a distinção dos usuários em relação aos traficantes de drogas (que seguirão criminalizados). Ao final da discussão, que incluiu mudanças nos votos de Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso em busca de uma média para alcançar um consenso, as sugestões dos ministros iam na direção de descriminalizar apenas a maconha, permitindo o porte de 25g a 60g de maconha e a posse de até seis plantas fêmeas como um dos critérios necessários para caracterizar o usuário. 

O advogado antiproibicionista Erik Torquato nasceu na Baixada Fluminense (periferia do Rio de Janeiro) e formou-se em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente, ele trabalha em São Paulo defendendo cultivadores, usuários, pacientes e associações voltadas ao cultivo e uso medicinal da maconha, além de integrar a Rede Jurídica Pela Reforma da Política de Drogas (Reforma). 

Em entrevista ao iG, Erik avalia que a descriminalização dos usuários de drogas é uma tendência mundial porque “não faz sentido criminalizar uma conduta com a desculpa de proteger a pessoa criminalizada”, e que descriminalizar “proporcionaria a oportunidade de lidar com a drogadição de uma maneira mais inteligente e democrática, com medidas voltadas à saúde, com orientação, educação, cuidado e acolhimento ao invés de punição”.

O advogado antiproibicionista Erik Torquato considera a posição do STF 'tímida' por restringir a descriminalização à maconha
Foto - NAV Reportagens
O advogado antiproibicionista Erik Torquato considera a posição do STF 'tímida' por restringir a descriminalização à maconha


“O que está em jogo é o ataque da lei de drogas à esfera dos direitos individuais. O Estado invade a autonomia do indivíduo, invade a esfera da liberdade individual e da privacidade para impedi-lo de expandir sua consciência, ter uma experiência sensorial de prazer, relaxamento e alívio. Isso não compete ao Estado. É irrazoável. Aos que defendem que o usuário deve ser internado compulsoriamente entendem que eles estão doentes, mas ao mesmo tempo defendem a criminalização. Não faz sentido, porque se uma pessoa está doente e precisa de tratamento, ela não deveria ser considerada criminosa por ter ficado doente.”

Um dos receios de muitos críticos à descriminalização é a possibilidade de libertação de quem foi preso (ou sofreu outras formas de punição) por portar maconha. Na visão de Erik, tão importante quanto descriminalizar o consumo é promover uma reparação histórica aos que sofreram por causa da guerra às drogas. 

“Uma vez que a lei revoga uma conduta antes tida como ilícita, não faz sentido manter presos aqueles que responderam àquela conduta na época da criminalização. No caso do consumo próprio, a lei não prevê prisão, mas aqueles que  estiverem cumprindo medidas restritivas de direitos teriam a extinção da punibilidade. A gente precisa sonhar com essa reparação, porque não faz sentido as pessoas que mantiveram a guerra às drogas entrarem no mercado regulado para lucrar e a gente esquecer de todas as pessoas que, ao longo do tempo, sangraram por conta desse mesmo mercado, enquanto clandestino.” 

Analisando a tese que está se formando no Supremo, Erik avalia que a Corte toma um caminho correto ao decidir pela descriminalização dos usuários, mas adota uma postura ainda muito tímida, tanto pela restrição apenas à cannabis quanto pela fixação de uma determinada quantidade para caracterizar o uso pessoal e o tráfico de drogas. 


“O voto de Gilmar Mendes [modificado posteriormente, em busca de consenso na Corte] é muito preciso quando afirma que o que está sendo julgado são condutas humanas, e não substâncias. Se a criminalização desse tipo de conduta é incompatível com a Constituição, não importa a substância”, disse o advogado.

O efeito dessa restrição, na avaliação de Erik (que vai no mesmo sentido da avaliação de Gilmar Mendes), será o surgimento de muitos questionamentos ao Supremo, por parte dos defensores de usuários e de pessoas acusadas por tráfico de outras substâncias que não a maconha.

“A descriminalização não pode ser seletiva se o fato é o mesmo: consumo próprio que não prejudica a terceiros. Então a interpretação restritiva é tímida e reforça um julgamento moral tão criticado em todos os votos proferidos até hoje”, disse o advogado.

Um dos objetivos da descriminalização é reduzir o encarceramento em massa no país
Domínio Público
Um dos objetivos da descriminalização é reduzir o encarceramento em massa no país


No que tange à fixação de uma quantidade “x” de maconha para caracterizar o consumo pessoal, apesar dos argumentos de ministros como Alexandre de Moraes, por exemplo, que considera importante ter critérios objetivos para evitar injustiças em situações idênticas - como ocorre atualmente - Erik Torquato avalia que não cabe fixar quantidades para determinar a natureza da conduta humana, servindo apenas como um indício. 

“Pense, por exemplo, numa pessoa que é amante de vinho e tem uma adega. É óbvio que essa pessoa vai ter a adega do tamanho do seu poder aquisitivo. Não precisa, necessariamente, vender vinho para ter uma adega grande. Pode ter mil garrafas, deixar como herança, e aquilo não lhe torna alguém que vende vinho, porque a finalidade é que determina o dolo. O mesmo entendimento vale para tráfico e uso. A pessoa pode ter uma quantidade elevada sem ser traficante, ou ter uma quantidade ínfima destinada ao tráfico.” 

Erik explica que a problemática do hiperencarceramento que atinge especialmente as pessoas jovens, negras e com baixo grau de escolaridade se deve à maneira frágil e subjetiva como as acusações por tráfico são feitas no país desde 2006.

“Quando falamos de um crime equiparado a crimes hediondos, como é o tráfico de drogas, esses elementos de convicção precisam ser fruto de uma investigação muito criteriosa. O que acontece hoje é que as investigações são baseadas, na maioria das vezes, na palavra do policial e na quantidade de substância. Não se pode mais aceitar que se coloque pessoas na cadeia com base em uma abordagem aleatória e na palavra de um policial”, disse o advogado, reforçando a necessidade urgente de não levar ninguém à prisão sem que haja uma investigação criteriosa com provas robustas.” 

Questionado sobre qual seria, na sua visão, uma legislação ideal para regular a política de drogas do Brasil, o advogado Erik Torquato afirmou ser importante regulamentar a produção nacional, o cultivo caseiro/artesanal e reconhecer a autonomia do indivíduo ao estabelecer critérios para distribuição, aquisição, armazenamento de substâncias psicoativas, além de garantir a reparação histórica aos que foram punidos durante a criminalização.

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