A presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, disse em entrevista a Folha de São Paulo que a invasão à Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, no Distrito Federal, foi o resultado na negação e negligência de anos acerca da ditadura militar implantada no Brasil entre 1964 e 1985, bem como o apagamento dos crimes dessa época.
"Esquecer ou fingir que nada aconteceu no período da ditadura armou uma bomba-relógio, e essa bomba explodiu no dia 8 de janeiro", disse a presidente.
Ela afirma que esta postura de esquecimento da ditadura acaba gerando casos como o visto no dia 8 de janeiro. "Qual é o resultado de todo e qualquer recalque? Violência".
A Comissão de Anistia existe há duas décadas, estabelecida pela Lei nº 10.559/2002, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Segundo o site do governo, o órgão deve:"analisar os requerimentos de anistia que tenham comprovação inequívoca dos fatos relativos à perseguição sofrida, de caráter exclusivamente político, bem como emitir parecer opinativo sobre os requerimentos de anistia, no sentido de assessorar o ministro da Justiça em suas decisões."
Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), a comissão foi gerida por militares. Dentre eles estava o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, autor do prefácio da biografia do único militar considerador torturador pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Brilhante Ustra.
A presidente ressalta "tamanho do risco ao qual a democracia brasileira foi submetida", ao falar dos atos golpista do início de janeiro. "Foi, sim, uma tentativa de um golpe de Estado. Teve ensaio no dia 12 de dezembro [quando bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia Federal], depois com a [tentativa de] bomba no aeroporto e durante todo o período desses acampamentos. O ápice foi no dia 8 de janeiro".
Para Almeida, o negaciosismo da ditadura não é mérito apena do governo Bolsonaro, começando com as sanções tomadas por Michel Temer durante o mandato de dois anos. "Quando a comissão deferia [um pedido de indenização], ela fazia uma declaração de perdão. Ou seja, vocalizava, em nome do Estado brasileiro, a garantia de que a perseguição política nunca mais iria acontecer".
Segundo a Comissão, cerca de 95% dos pedidos de anistia foram negados na última gestão. Eles serão revisitados para análise pela nova equipe. Estima-se que existam 8 mil casos pendentes ou negados pela gestão anterior.
Almeida ainda afirma que trabalhará para manter viva a memória deste momento. "O Estado repetir essa conduta perseguidora, de ser ditador e totalitário, não podemos permitir. Enfrentar esse legado autoritário significa realmente construir o Estado democrático de Direito", finaliza.