Profissional de saúde atende um idoso deitado no chão na casa de repouso
Reprodução 08/08/2022
Profissional de saúde atende um idoso deitado no chão na casa de repouso

O breve contato com os  idosos da Casa de Repouso Laço de Ouro, em Guaratiba, Zona Oeste do Rio, foi suficiente para Daniele Mota, de 44 anos, e os outros estagiários procurarem a Polícia Civil neste domingo (7) e denunciarem o local por maus-tratos. Agentes da 35ª DP (Campo Grande) prenderam três pessoas em flagrante: a dona da clínica, Vanessa da Silva Ferro, e dois funcionários, Manoel Alves Paulino e Rafael Venâncio.

Formada cuidadora de idosos recentemente, Daniele Mota pagou R$ 50 para participar de um estágio de 300 horas na casa Laço de Ouro. Seu primeiro dia foi no último sábado, dia 6 de agosto, e bastou algumas horas no local para procurar a polícia e denunciar os maus-tratos que eram cometidos no estabelecimento.

Ao GLOBO, Daniele narrou que no local havia muitas fezes de gatos e junto a urina dos idosos — que só trocavam de fralda uma vez ao dia — deixava o cheiro do ambiente insuportável. O estado do local atraía moscas, que segundo Daniele, pousavam em ferimentos abertos de alguns pacientes.

"Parecia que eu estava em um abrigo de animais. Tive que colocar duas máscaras N95 para conseguir ficar lá. Os valores da gente não podem ser negociados. Os idosos só querem carinho, comida e conforto, e lá não tinha. O perfil dos pacientes era debilitado, com fome, doentinhos, com escabiose (sarna) pelo corpo", contou.

De colegas que já haviam trabalhado lá, ela ouviu que a causa de repouso iria causar "choque" a ela. Recepcionados pelos dois únicos funcionários que trabalhavam na noite do último sábado, que cuidavam de 28 idosos, ela e os colegas de estágio não tiveram contato com os pacientes, mas foram avisados que às 5h iriam começar a dar banho nos idosos. Foi quando houve a primeira surpresa: todos estavam deitados sob a própria urina, já que a única fralda do dia não havia dado conta: "a gente trabalha com as ferramentas que tem", ouviu Daniele de um funcionário.

"Estavam amarrados com casacos, pedaços de lençol, ensopados de urina, alagados. Era um homem colocando as mulheres em uma cadeira de banho danificada. Ao levá-las para o banheiro, veio a ducha gelada em cima de todo mundo porque o chuveiro elétrico estava gelado. O primeiro choque foi ali: as idosas chorando. Foi muito desumano. As roupas estavam amontoadas e tivemos que enxugar com lençol porque toalhas não haviam", detalha a cuidadora de idosos.

A última refeição dos pacientes no sábado foi um mingau de fubá puro, por volta das 17h. Daniele conta ainda que se espantou ao ver que o café da manhã foi oferecido por volta das 10h da manhã de domingo, 17 horas depois.

"Eles falavam que o pão ia chegar, mas não chegava. Colocamos em um cesto e começamos a distribuir um pão seco e um gole de café. Eles não tinham acesso a leite, sucos ou frutas. Idosos contaram que às vezes eles comiam este café e pulavam o almoço. Se com a nossa presença, estagiando a um dia, eles sentiram a vontade de relatar isso, sem medo, imagina como era sem ninguém ali? Logo depois do café eles começaram a pedir mais pão", conta.

A alimentação é outro ponto que fez Daniele se surpreender no local. A geladeira da unidade estava vazia, tendo apenas um pote de manteiga. No congelador não havia carnes e na panela uma sopa com alguns restos de comida tinha sido preparada pela dona do local.

"Mesmo se você fizer algo de graça, se você vai fazer um bem a uma pessoa, você tem direito de fazer ou não. A gente não pode maltratar nem um animal, nossos filhos. O que nós vimos foi o suficiente para não ficarmos lá mais", diz Daniele.

Grito silencioso de socorro

Uma das cenas que mais marcaram a cuidadora de idosos foi quando um paciente idoso e acamado a segurou pelos braços e demonstrou pedir por socorro. Ele foi transferido para a UPA de Campo Grande em estado grave e possuía úlcera de pressão:

"Você não conseguia diferenciar mais os órgãos dele pelas costas. A gente passava por ele e ele nos agarrava, tentando pedir socorro e não conseguia. Até que eu falei para ele que ia ajudá-lo. Depois disso ele soltou minha mão. Ele tinha consciência, mas não reação", diz.

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