O tatuador e duas de suas obras
Divulgação Acervo Pessoal
O tatuador e duas de suas obras

O brasileiro Massao Nissiuti é um dos poucos não nascidos no  Japão a dominar a técnica do tebori, forma tradicional de tatuagem do país, transmitida de mestres a discípulos há séculos. Nissiuti, que começou tatuando colegas de trabalho com um dispositivo improvisado feito a partir de um toca-fitas encontrado no lixo, tatua, hoje, de alto executivos a membros da yakuza, a máfia japonesa.

"A técnica é totalmente manual, artesanal. Fazemos tudo, desde o preparo das hastes do bambu, sem motor, sem nada. Demora mais, mas dói menos", descreve Massao Nissiuti.

As agulhas, próprias do ofício, são enfileiradas nas hastes de bambu, que Nissiuti faz ele mesmo a partir de espadas de taekwondo, e aplicadas diretamente na pele dos clientes. Como a arte do tebori é totalmente manual, o tatuador precisa manter a coordenação e o ritmo para ter o resultado ideal.

Chegada ao Japão

Nascido em Bragança Paulista, filho de um imigrante japonês que chegou ao Brasil ainda criança, Massao Nissiuti começou a tatuar aos 16 anos, estimulado por amigos que admiravam sua capacidade para desenhar. Como na época trabalhava como ajudante de mecânico de aviões, conseguiu montar pequenas máquinas de tatuar.

Anos depois, quando tinha 19, tornou-se um decasségui ao imigrar para o Japão, para onde seu pai havia ido em 1989. Chegando lá, conseguiu um emprego numa fábrica.

"Vi no lixo um rádio toca-fita e lembrei que era possível fazer uma máquina de tatuar. Comecei de zoeira, mas logo passei a levar a sério", relata.

Massao Nissiuti começou a tatuar colegas de trabalho da fábrica. Na época, seu estúdio era o próprio apartamento. Mas, cerca de três anos depois, decidiu transformar o ofício em profissão e alugou um espaço.

O estúdio ficava em um terreno em que contêineres eram alugados, em geral para brasileiros, que abriam lojas para vender coxinhas ou alugar fitas VHS de novelas. Poucos dias depois de aberto o estúdio, no entanto, Massao recebeu a visita de um membro da yakuza:

"Eu fiquei assustado. Eles chegam com vasinho de flor, dão cartãozinho, mas quando viu que eu era estrangeiro nem sentou. Falou que não podia", disse o brasileiro, que teve de fechar o espaço. "Tudo o que não paga imposto, eles cobram propina. Mas não queriam mexer com estrangeiro."

Três meses depois, por intermédio de um outro colega tatuador, ele conseguiu chegar até o chefão da yakuza local, que aceitou recebê-lo. O primeiro encontro entre os dois não abordou a questão da loja. O mafioso queria apenas conhecê-lo e demonstrou curiosidade pelo Brasil:

"Fui orientado por um amigo que nada é assinado, é tudo na palavra."

Dias depois, teve um segundo encontro com o mafioso, que liberou o funcionamento de sua loja mediante um pagamento mensal. No entanto, demorou para que os mafiosos se tornassem seus clientes, conta. Nissiuti precisou ainda evoluir e dominar as técnicas e estilos orientais

De volta o Japão

Anos depois de já estabelecido no país, conheceu o mestre tebori Horikyu, que tinha entre seus clientes muitos dos membros da máfia japonesa. Horikyu o aceitou como aprendiz, condição na qual ficou por alguns anos. Em 2002, deixou o Japão e passou a tatuar no Brasil e Estados Unidos.

Em meados de 2020, Nissiuti havia partido para uma série de viagens pela Ásia a trabalho, quando a pandemia da Covid-19 começou. Ele acabou decidindo ficar pelo Japão, onde parte de sua família continuava a morar.

Segundo conta, a sociedade japonesa ainda tem certo preconceito com tatuagens. Enquanto conversava com O GLOBO , Nissiuti havia acabado de chegar a Tóquio, onde fora a trabalho, para tatuar um empresário do setor de construção.

"Ele não quer ser visto fazendo tatuagem, pois ainda há descriminação. Mas de uma década para cá mudou bastante", contou o tatuador, apontando a redução da idade mínima para fazer tatuagens de 21 para 18 anos como indício da mudança.

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