Armamentismo ganha espaço na agenda de líderes evangélicos
Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil - 17.03.2022
Armamentismo ganha espaço na agenda de líderes evangélicos

Historicamente rejeitada pela maioria dos grupos evangélicos, a defesa do armamento da população passou a ganhar espaço de defesa entre líderes do segmento religioso nos últimos anos, desde a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência. Até dentro da bancada evangélica do Congresso, que chegou a se posicionar contra decretos pró-armas editados pelo presidente no passado, o assunto hoje divide opiniões.

A questão voltou ao debate nesta semana com o episódio envolvendo o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, pastor presbiteriano, que disparou um tiro acidental na área de check-in do aeroporto de Brasília. Graduado em teologia, ex-reitor do Mackenzie e professor de Direito, Ribeiro tem porte de arma expedido pela Polícia Federal e registro de Caçador, Atirador Desportivo ou Colecionador (CAC) emitido pelo Exército.

O ex-ministro, no entanto, não está sozinho no movimento cristão armamentista. Pastor pentecostal da Assembleia de Deus e ex-vereador pelo Republicanos, Cláudio Ferreira virou coordenador do grupo Pró-Armas em Sergipe. Em vídeos publicados nas redes, ele explica como tem estruturado o movimento no Estado, procurando apoio e patrocínios de donos de clubes de tiro e lojas de arma, além de pessoas dispostas a defender a agenda em cargos políticos.

"A grande maioria abraçou a causa aqui. (...) Nós [o pró-armas] já crescemos uns 70%, 80% do que éramos no passado. (...) Sabemos que hoje o pró-armas é a esperança de adquirirmos algum direito", diz ele, ressaltando a organização de caravanas para protestar em Brasília. Ferreira não foi localizado para comentar as postagens.

Em Pernambuco, o pastor e vereador pelo PP, Junior Tércio, e a sua mulher, deputada estadual Clarissa Tércio (PP), também incorporaram a pauta à sua agenda. Em postagens recentes nas redes sociais, o casal exibe fotos em que aparecem armados de pistola e escopeta num clube de tiro. Em uma delas, incluíram a seguinte mensagem: “Juntos enfrentaremos todas as guerras, seja no mundo espiritual ou material”.

Líder da Igreja Ministério da Fé, o pastor Fadi Faraj é outro propagador da tese de que o “direito de defesa é bíblico”.

"A questão é defender nossos valores e família. A Bíblia não contradiz defender a família. Por exemplo, quando a Palavra diz “não matarás”, é “defenderás” também", afirma Faraj.

‘Jesus não era pacificador’

Mais do que encampar a bandeira como uma opinião individual, esses religiosos passaram a usar a Bíblia para defender o ponto de vista. Citam, por exemplo, dois trechos em que Jesus usa um chicote (na visão deles, um armamento da época) para expulsar os vendilhões do templo e, outro, em que ele pede supostamente aos discípulos para venderem a capa e comprarem espadas.

Dentro da bancada evangélica, o assunto está longe de um consenso. Mas, diferentemente de como era no passado, os que são contrários agora preferem não se manifestar para não se indispor com Bolsonaro. Já os que são favoráveis ao armamento da população civil defendem a bandeira com mais garra.

"Jesus não era um pacificador e tampouco um pacifista. Isso são visões de um Jesus histórico. A Bíblia defende o direito de autodefesa e uma visão nacionalista", afirma o deputado e pastor Marco Feliciano (PL-SP), dirigente da Frente Parlamentar Evangélica. O deputado pastor Abílio Santana (PSC-BA), que é filiado a um clube de tiro na Bahia, costuma discursar que desarmar a população é “jogada da esquerda”.

Na lista dos evangélicos contrários à agenda armamentista, que inclui até ex-delegados e policiais, há figuras importantes da bancada, como o ex-presidente do grupo e amigo de Bolsonaro Cezinha de Madureira (PSD-SP). Procurado pelo GLOBO, ele não quis se posicionar sobre o tema.

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O atual líder do grupo, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), situa-se no que ele classifica como “meio termo”:

"Acho que a posse tem que ser garantida a quem quiser. E o porte tem que ter mecanismos de controle do Estado. Se deixar todo mundo andar de pistola e fuzil para cima e para baixo, isso aqui vai virar um bangue-bangue. Nós não temos cultura para liberar porte à vontade", afirma ele, que também atribui o crescimento do movimento pró-armas entre integrantes do grupo à questão política. "A tomada do discurso desarmamentista pela esquerda acabou empurrando muitos evangélicos a se tornarem armamentistas".

A visão dele reflete o que pensa boa parte dos grandes líderes das igrejas evangélicas do país, como o pastor Silas Malafaia, o bispo Manoel Ferreira e o pastor RR Soares, que em vídeo disse ter pavor de armas (“eu não gosto nem de ver”).

"Claro que a essência da igreja é missionária para levar amor, perdão e paz, mas em casos excepcionais cabe aos cristãos se protegerem", afirmou o bispo Robson Rodovalho, líder da Igreja Sara a Nossa Terra, que também diz se posicionar “no meio de campo”.

Conveniência política

Na visão de especialistas no assunto, essa pauta tem ganhado relevância no meio evangélico por uma questão de “conveniência política”.

"Essas ideias estão associadas a um pragmatismo político, muito mais fundamentado numa questão de conveniência política eleitoral do que na ética cristã", afirmou o antropólogo Juliano Spyer, autor do livro “Povo de Deus: Quem são os evangélicos e por que eles importam”.

Fellipe dos Anjos, pastor Batista e doutorando em Ciências da Religião pela Universidade Metodista, lembra o papel determinante que evangélicos tiveram nas mobilizações a favor do desarmamento, no fim dos anos 1990.

"Dezenas de igrejas se tornaram postos de coletas de armas. Muitas lógicas religiosas e experiências políticas mudaram de lá para cá. Entre elas, a intensificação de um discurso de guerra espiritual que as comunidades estariam em uma batalha que visa o domínio político e cultural da nação".

Se os religiosos armamentistas citam a Bíblia para justificar as suas ideias, Anjos afirma que os desarmamentistas também têm um repertório imenso. Entre eles, falas de Jesus dizendo que quem “lança mão da espada, pela espada perecerá” e que se alguém “bater na face, oferece-lhe a outra”.

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