O irmão do congolês Moïse Kabamgabe cobra rigor na investigação e que não se sente mais seguro para continuar morando no Brasil. A família do jovem esteve nesta segunda e terça-feira com a Comissão de Direitos Humanos da OAB (CDHAJ), que vai acompanhar o caso.
A vítima teria sido espancada até a morte por cinco homens, com golpes de madeira e taco de beisebol, após cobrar um pagamento atrasado no quiosque Tropicália, na Praia da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio.
"A expectativa é que o nosso advogado possa trabalhar para que a justiça seja feita para o meu irmão. É isso que nós da família e da comunidade africana esperamos da justiça brasileira", disse Djodjo Baraka Karagambe, irmão do jovem.
Durante o encontro, o irmão de Moïse, afirmou que o jovem e a família se sentiam acolhidos desde que chegaram ao Brasil. No entanto, esse sentimento mudou. "Estávamos felizes e nos sentíamos acolhidos, mas no momento não temos mais vontade de ficar. Há um sentimento de insegurança. O que esperamos é que a justiça seja feita".
O presidente da CDHAJ, Álvaro Quintão destacou o caráter racista do crime.
"Ele foi brutalmente assassinado em frente a um quiosque e os vídeos das câmeras de segurança disponíveis mostram quem foram as pessoas que o agrediram até a morte. Não há dúvidas de que o racismo foi um fator no caso. As imagens mostram mais um negro sendo espancado até à morte, algo que pessoas que transitavam pelo local já normalizaram. Vamos exigir que o Ministério Público denuncie cada uma dessas pessoas e, principalmente, identifique o gerente do quiosque, que teria chamado esses agressores".
A deputada Dani Monteiro, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, ofereceu apoio à família de Moïse.
"Estamos, junto com a OABRJ, prestando solidariedade à família e tentando garantir a justiça diante da brutalidade que foi cometida contra Moïse. Infelizmente a democracia no Brasil não funciona na sua totalidade para pessoas pretas, sejam elas brasileiras ou imigrantes africanos. Nesse caso, nos choca muito o horário do ocorrido, por volta das dez da noite, e o local, um quiosque na praia da Barra da Tijuca. Isso mostra que a ideia de que uma pessoa negra possa ser amarrada, torturada e espancada em público está naturalizada na nossa sociedade e é acompanhada de uma expectativa de impunidade".
Fernand Umpapa, representante da comunidade congolesa, também expressou sua indignação com o assassinato de Moïse. "Esse foi um caso que chocou todo mundo, não apenas na comunidade congolesa, mas qualquer pessoa com sensibilidade na comunidade brasileira".
Durante a manhã desta terça, a equipe de reportagem do DIA percorreu a orla da Barra e constatou policiamento em volta do quiosque Tropicália, onde o jovem foi morto. Integrantes do movimento UNiNEGRO estiveram na porta da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), que investiga o caso, para cobrar respostas às autoridades.
No sábado (29), familiares e amigos de Moïse realizaram uma manifestação pacífica na Avenida Lúcio Costa, próximos ao quiosque Tropicália. No ato, parentes denunciaram que os órgãos do congolês foram retirados do corpo sem autorização no Instituto Médico Legal (IML), mas a Polícia Civil nega.
"O laudo mostra que o corpo chegou ao IML sem nenhuma lesão no tórax além daquelas que causaram a morte. As imagens do exame de necropsia mostram o tórax aberto com os órgãos dentro", afirmou a polícia.
Nesta terça-feira, o advogado Rodrigo Mondego, que representa a família de Moïse Kabamgabe, disse que os órgãos do rapaz não foram retirados. "Apuramos que a retirada de seus órgãos não procede, a falta de informação no IML levou a família a acreditar nisso. A CDH OAB/RJ seguirá no caso", escreveu Mondego.
O laudo do Instituto Médico Legal (IML) apontou como causa da morte traumatismo do tórax com contusão pulmonar e também vestígios de broncoaspiração de sangue. O documento revela lesões concentradas nas costas e o tórax aberto, com os órgãos dentro.
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Repercussão
Famosos e políticos usaram as redes sociais para cobrar punição aos responsáveis pela morte de Moïse. O governador do Rio, Cláudio Castro, disse, na manhã desta terça, que o crime não ficará impune e prometeu rigor na investigação.
"O assassinato do congolês Moïse Kabamgabe não ficará impune. A Polícia Civil está identificando os autores dessa barbárie. Vamos prender esses criminosos e dar uma resposta à família e à sociedade. A Secretaria de Assistência à Vítima vai procurar os parentes para dar o apoio necessário", escreveu Castro no Twitter.
O prefeito Eduardo Paes também se pronunciou sobre o crime. "O assassinato de Moïse Kabamgabe é inaceitável e revoltante. Tenho a certeza de que as autoridades policiais atuarão com a prioridade e rigor necessários para nos trazer os devidos esclarecimentos e punir os responsáveis. A prefeitura acompanha o caso", escreveu o prefeito no Twitter.
No Instagram, o ator e humorista Lucio Mauro Filho fez uma reflexão sobre a sociedade. "Que crueldade meu Deus! No que estamos nos transformando? Que exemplos estamos dando para as novas gerações? Tudo muito triste. Ex-cidade maravilhosa".
A escritora e desembargadora Andrea Pachá também se pronunciou: "O Rio de Janeiro não continua lindo. Não há beleza que conviva com a selvageria que mata um jovem de 25 anos que ousa cobrar o seu salário. Luto interminável".
"Inacreditável e imperdoável", escreveu a cantora Fafá de Belém. A atriz Camilla Camargo se diz chocada com mais um crime brutal. "Dilacera a alma essas notícias".
A atriz Debora Bloch postou uma imagem do jovem congolês acompanhada da hashtag: #justicepormoise.
O deputado federal Pedro Paulo disse que pediu que o Secretário de Ordem Pública Brenno Carnevale acompanhe de perto a investigação.
"O brutal assassinato do jovem Congolês Moïse é inadmissível e requer apuração rápida e rigorosas punindo todos os culpados. Solicitei ao secretário Brenno Carnevale que acompanhe de perto toda a investigação. Caso se confirme a participação ou conivência do concessionário/proprietário do Quiosque Tropicália, será imediata a cassação de sua licença e concessão. É inaceitável que o espaço mais democrático dessa Cidade possa ser concedido a alguém capaz de um ato tão brutal e desumano".
O Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio da Cáritas (PARES Cáritas RJ), a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e a Organização Internacional para as Migrações (OIM), informaram que vão acompanhar o caso.
O Abuna, uma organização sem fins lucrativos, também repudiou o ocorrido. "O Abuna repudia este ato de covardia, brutalidade e xenofobia. Nos unimos à família de Moïse e demandamos justiça. Barbáries como esta não podem acontecer. Crimes como este precisam acabar. Nossa oração é por consolo aos familiares da vítima, para que o Espírito Santo enxugue cada lágrima. Neste dia, nós choramos com a querida comunidade congolesa no Brasil".
Moïse tinha 25 anos e chegou ao Brasil ainda criança, acompanhado de seus irmãos. No país, ele e sua família foram reconhecidos como refugiados pelo governo brasileiro. Segundo o Programa, ele era uma pessoa muito querida por toda a equipe do PARES Caritas RJ, que o viu crescer e se integrar.
"O PARES Cáritas RJ, o ACNUR e a OIM estão acompanhando o caso, esperando que o crime seja esclarecido. Neste momento, as organizações apresentam suas sinceras condolências e solidariedade à família de Moïse e à comunidade congolesa residente no Brasil", disse em um comunicado conjunto entre as equipes PARES Cáritas RJ, ACNUR Brasil e OIM Brasil.
De acordo com a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), imagens de câmeras instaladas no local foram analisadas, testemunhas estão sendo ouvidas e os agentes continuam levantando informações para esclarecer o caso, identificar e prender os autores do crime. A investigação segue sob sigilo.