Um homem foi flagrado na manhã de domingo retirando placas em homenagem a vítimas da violência na cidade do Rio instaladas pela ONG Rio de Paz às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul. Não identificado, o homem, que usava boné vermelho, camisa branca e shorts azul, retirou várias placas em um momento de grande movimento no local.
A cena de vandalismo foi registrada em vídeo pela personal stylist Dany Couto e postada na sua conta no Instagram. "Olha que absurdo. O cara retirando as placas do @riodepaz em homenagem a crianças e policiais por violência", escreveu ela na rede social.
A instalação com os nomes das vítimas — policiais assassinados e crianças vítimas de balas perdidas — é mantida no local desde 2015, acompanhada por uma faixa com o clamor "Prefeito, lembre-se da favela". De acordo com Antônio Carlos Costa, presidente da ONG, dez placas com os nomes de policiais foram arrancadas. Placas em homenagem a crianças não foram danificadas.
A Rio de Paz afirmou que vai reinstalar as placas. No começo da manhã desta segunda-feira, o presidente da ONG registrou um boletim de ocorrência na 14ª DP (Leblon), que fica a poucos quilômetros do local do crime. O registro foi feito como dano e será enviado para a 15ª DP (Gávea).
"(Os ataques e retiradas das placas) Sempre foram algo pontual. Eles retiravam uma ou outra. No primeiro ano do governo (Marcelo) Crivella eles (da Comlurb) tiraram tudo e houve uma comoção da sociedade. A própria prefeitura entrou em contato e falaram que a gente poderia voltar com as placas. Agora, ali virou uma instalação que faz parte da cidade. Queremos saber qual é a motivação desse senhor. Foi um ato de vandalismo injustificado. Será que existe uma motivação ideológica? Será que ele fez com focos nos policiais? Somos um movimento de Direitos Humanos não seletiva e simétrica. A pessoa vai e destrói as placas. Não sabemos se foi motivacional. É triste, porque somos a cidade que mais mata crianças e policiais e vai um pessoa e destrói a instalação", disse Costa.
Após o registro, ele disse que "encaminhou as imagens do agressor" e vai fazer contato com a mulher que flagrou "o ato de vandalismo."
"Não estamos preocupados com dinheiro para refazer as placas. Estamos preocupados com a motivação. Não podemos assistir um massacre humano. Por isso vamos refazer a instalação toda, recebemos a lista da PM dos militares mortos - são 50 - é vamos colocar mais 20 placas de crianças mortas - grandes delas na favelas", completou, para desabafar em seguida sobre o agressor:
"É muito vergonhoso para a biografia dele. Esse é um ato pacífico que não tem partido político. Ao fazer isso ele diz para sua família que a sociedade tem que se manter calada quando cidadão é calado pela violência."
'Visivelmente transtornado'
Dany Couto, de 38 anos, que mora na Lagoa e que passeava com a filha no momento do flagrante, diz que o agressor estava "visivelmente transtornado" e que só parou de arrancar as placas quando algumas pessoas se juntaram e ele foi embora.
"Eu fique chocada com aquela cena. Como eu moro aqui pertinho, eu estava passeando com a minha filha e vi aquela cena. O homem não falava nada. De óculos escuros, ele estava visivelmente transtornado. Quando ele arrancou a faixa, eu comecei a filmar. Em seguida, ele foi arrancando as placas. Ele não olhava para ninguém. Quando algumas pessoas se juntaram para falar com ele, o homem foi embora. Atravessou a rua e sumiu", lembrou a personal stylist.
"Num momento como esse, de pandemia, muitas pessoas morrendo, essa homenagem é muito legítima. Mas esse episódio demonstra que existe uma parcela da população que ainda não tem empatia e se legitima nesse governo truculento."
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O presidente da ONG conversou com Dany e agradeceu:
"Que atitude linda, a sua, de ter filmado. Você nos possibilitou saber o que está por trás dessa ação."
Perícia no local
Durante as investigações, a Polícia Civil deverá pedir câmeras de segurança de um posto de gasolina, próximo ao local do vandalismo, e da Centro de Operações Rio (COR). Pouco depois das 10h30m, dois papiloscopistas do Instituto de Identificação Félix Pacheco (IIFP ) chegaram ao local para analisar as placas quebradas. Os policiais tentavam achar digitais do agressor. Três foram coletadas.
A PM se pronunciou sobre o caso. Em nota, a corporação destacou que "a ONG Rio de Paz é um ato legítimo e conta com o apoio da corporação", diz trecho do comunicado, que continua, "homenagens como essa são raras e de grande importância para a Polícia Militar”. A instituição disse que vai acompanhar de perto a investigação. Abaixo, a nota completa:
"A Secretaria de Estado de Polícia Militar lamenta a ação de depredação às placas de homenagem a policiais e crianças mortas em ações violentas, instaladas na Lagoa Rodrigues de Freitas, na zona sul da cidade do Rio. A ação da ONG Rio de Paz é um ato legítimo e conta com o apoio da corporação. Homengens como essa são raras e de grande importância para a Polícia Militar.
Neste fim de semana, um homem foi flagrado em um ato criminoso removendo as placas com os nomes dos policiais militares vitimados. Atitudes como essa não podem tirar o ânimo daqueles que reconhecem o nosso esforço e valor.
A Polícia Militar permanece em apoio a ONG Rio de Paz e acompanha a investigação da Polícia Civil."
Esta não é a primeira vez que monumento da ONG Rio de Paz é vandalizada. Em junho do ano passado, uma instalação da Organização Não Governamental montada na Praia de Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro, foi depredada. Três homens e uma mulher que passavam pelo local agrediram verbalmente os voluntários que chamavam atenção para as milhares de mortes provocadas pela pandemia do novo coronavírus no Brasil.
À época, a ONG Rio de Paz organizou a abertura de 100 covas rasas nas areias da praia, simbolizando as mortes pela Covid-19, em uma crítica à condução da crise sanitária pelo governo federal. Um dos agressores derrubou as cruzes que simbolizavam as vítimas fatais da pandemia.