Uma conjunção de fenômenos raros fez o céu desabar sobre uma vasta região da Bahia nos últimos dias . A chuva começa a perder força no estado nordestino, mas o canal de umidade se desloca para o sul. A umidade pode atingir os estados do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e de Minas Gerais a partir de quinta-feira, afirma o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Seluchi destaca que é impossível saber ainda se a chuva não passará de chuvisco ou se tornará um aguaceiro, como o que assolou a Bahia. A tragédia baiana foi deflagrada por um fenômeno chamado Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), colossal canal de umidade trazida do mar que “estaciona” sobre determinadas áreas, causando chuva intensa e inundação por dias.
As ZCAS são fenômenos climáticos típicos do verão, mas não na Bahia, diz Seluchi.
"A ZCAS se espalhou pela Bahia , o que é totalmente fora do normal, e despejou aguaceiros numa região cerca de 1.000 quilômetros ao norte da que costuma ocorrer (o Sudeste). E esse fenômeno, que por si só já seria raro, aconteceu duas vezes no mesmo mês", destaca o cientista do Cemaden, instituição que alertou com antecedência de cinco dias sobre o risco de tragédia na Bahia e cuja ação coordenada com a Defesa Civil e prefeituras baianas permitiu a retirada de muita gente de áreas de risco, evitando que o número de mortos fosse ainda maior.
"Predição e previsão salvam vidas. Houve uma ação conjunta que permitiu evacuar boa parte da população em risco. Infelizmente, é impossível deter as inundações, mas é possível evitar mortes", frisa Seluchi.
A ZCAS está se desfazendo na Bahia, diz ele. Mas, para o fim do ano, a previsão não é alentadora, alerta o meteorologista. Desta vez, a chuva pode trazer problemas para o Sudeste.
A umidade prossegue e o foco agora muda para os estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e parte de Minas Gerais. Não se sabe ainda se haverá ou não formação de uma ZCAS, mas pancadas de chuva são certas. A recomendação de Seluchi é que autoridades e população fiquem de prontidão.
A chuva traz risco de novos desastres para algumas áreas, mas será alívio em outras.
"A chuva está vindo para o Sudeste e pode descer talvez um pouco para o Sul, o que seria bom porque essa região e parte de São Paulo sofrem com a estiagem", diz Seluchi.
A expectativa é que possa chover também nas bacias dos rios Grande e Paranaíba, cabeceiras mineiras do Rio Paraná, que estão secas. É uma região estratégica para a geração de energia elétrica, que amarga uma seca intensa.
Conjunção de fenômenos naturais
A anômala ZCAS da Bahia foi gerada pela conjunção de dois grandes fenômenos climáticos. O primeiro é a La Niña, ativa desde outubro. Provocada pelo esfriamento da água do Pacífico Sul, a La Niña é um fenômeno planetário, que no Brasil costuma trazer mais chuvas para o Norte e o Nordeste. O outro fenômeno é a elevação da temperatura da água do Atlântico Sul logo abaixo da linha do equador. Isso contribuiu para que as chuvas “estacionassem” mais o norte do que o normal.
Como a umidade permanece mais ou menos a mesma, mais chuva no Norte significa menos no Sul. Não à toa, São Paulo e os estados do Sul têm amargado com a seca. Em São Paulo, a média de precipitação de dezembro está em 90 mm, menos da metade dos 200 mm da média histórica para o mês, um dos mais chuvosos do ano.
Seluchi alerta que a Bacia do Paraná está com chuvas muito abaixo da média. Em São Paulo o risco de falta d’água será elevado em 2022. O Sistema Cantareira está com 25% de seu volume e não chove significativamente há meses.
"Será muito difícil para o estado atravessar a estação seca de 2022 com esse volume tão baixo. São Paulo está gastando todos os seus créditos para 2022 agora e ficando sem ter de onde tirar no ano que vem", diz Seluchi.
Para o verão, a previsão é que a Bacia do São Francisco, o Semiárido, o Tocantins e a Amazônia tenham chuvas acima da média histórica. Já a Bacia do Paraná e o Sul, terão abaixo da média.
E uma região que engloba todo o Sudeste e parte do Centro-Oeste é uma zona de transição e de incerteza. Tanto pode chover mais ou menos, e esse volume deve variar ao longo do verão.
Seluchi acrescenta que as chuvas na Bahia chamam a atenção dos especialistas não apenas pela intensidade, mas pelo tamanho da região afetada, boa parte dela sem histórico de desastres.
As tempestades devastaram cidades da Zona da Mata do sul baiano até Jussiape, na montanhosa Chapada Diamantina, onde uma barragem se rompeu.
Mesmo em cidades que já sofreram antes com chuvas no passado, como Ilhéus e Porto Seguro, choveu em dois dias o que chove em um mês. O volume de precipitação deste dezembro é o dobro da média histórica, de 150 mm.
Seluchi diz que o impacto da segunda ZCAS foi pior do que a que atingiu a Bahia no início de dezembro porque encontrou uma região já castigada e com a infraestrutura comprometida pela primeira.
A primeira ZCAS em termos de volume de chuva foi até mais intensa tanto na Bahia quanto no norte de Minas Gerais, com registros superiores a 500 mm em quatro dias.