Docente diz que usou roupa da Ku Klux Klan para divulgar peça teatral
Reprodução/redes sociais
Docente diz que usou roupa da Ku Klux Klan para divulgar peça teatral

O professor de História Luiz Antonio Bortolo, que usou uma  vestimenta que remetia ao grupo supremacista Ku Klux Klan em uma escola pública em Santo André (SP), alegou que a roupa tinha o intuito de divulgar uma peça teatral que seria apresentada em maio, na semana que marca a "libertação formal dos escravos". Alunos ouvidos pelo GLOBO afirmam que não foram avisados previamente da ação, mas sabiam que ele planejava a produção artística, cancelada devido à pandemia.

Em nota encaminhada nesta quarta-feira por meio de uma lista de transmissão do WhatsApp a seus alunos e divulgada posteriormente no perfil do Facebook da OAB Santo André, Bortolo classifica a repercussão do vídeo como um "grande mal-entendido", se desculpa pelo "choque causado", mas reforça que seu propósito é usar sua profissão como "instrumento de desenvolvimento de consciências críticas". Cita ainda que já promoveu uma peça semelhante em outra escola da rede pública de São Paulo, em 2017. Na época, ele compartilhou fotos da representação em seu perfil no Facebook, que foi excluído.

O professor foi filmado usando o traje enquanto caminhava pelo pátio da Escola Estadual Amaral Wagner no dia 9 de dezembro. Na ocasião, estudantes do terceiro ano do ensino médio organizaram um desfile de fantasias no local. Após a repercussão do episódio, o docente foi afastado até o término da apuração dos fatos.

"No desejo de me alinhar aos alunos, já fantasiados, peguei a veste da KK Klan que estava em meu armário e a vesti, para divulgar a nossa peça teatral, que seria apresentada na semana do 13 de maio, por ocasião da libertação formal dos escravos. Muitos dos meus alunos entenderam perfeitamente o que aconteceu", explica o professor no texto (veja a íntegra ao final).

'Ele errou'

A estudante do 3° ano do ensino médio Aline, de 18 anos, que preferiu não identificar o sobrenome, relatou ao GLOBO que, apesar de o professor ter explicado sobre a Ku Klux Klan em algumas aulas, não comentou anteriormente que pretendia se fantasiar em alusão ao grupo.

"Terceiros anos estudaram sobre isso (Ku Klux Klan). No dia do ocorrido havia primeiros e segundos anos também, foi o que gerou o conflito de informações porque apenas alguns sabiam da peça", disse Aline. "Foi um erro, na minha opinião. Foi de forma ingênua, mas ele errou. Ele já está pagando pelo seu ato e em momento nenhum fomos coniventes a isso".

Também aluno do terceiro ano, Felipe Costa, de 17 anos, que integra o Grêmio Estudantil e estava presente no momento em que o professor apareceu fantasiado, disse que foi uma total surpresa aos alunos a vestimenta do professor, apesar de alguns saberem da peça. Ele afirmou que Bortolo "não tem perfil de racista" e é um dos únicos engajados com o ensino sobre a cultura africana no colégio.

"Reconheço que é uma ação que deve ser investigada, mas ao mesmo tempo as pessoas estão deturpando o ocorrido sem saber os fatos. O professor nunca teve uma atitude racista, ao contrário, propôs um trabalho para pesquisarmos personalidades do movimento negro, que estão expostas em cartazes por toda a escola", afirmou.

Segundo Felipe, menos de cinco minutos depois que o professor apareceu no pátio da escola fantasiado e os alunos reagiram de forma negativa, a diretoria do colégio pediu para que o docente tirasse a vestimenta. Neste momento, a coordenação escolar teria acionado a Secretaria de Educação para tomar as providências devidas, após ouvir as explicações do docente.

"Um ex-aluno da escola divulgou o vídeo dias depois do ocorrido, e a repercussão fez parecer que a escola não tomou nenhuma providência contra a atitude do professor. Desde o dia 8 de dezembro, quando aconteceu o fato, a direção já chamou o professor e encaminhou para os órgãos responsáveis, já que ele é um funcionário público e a escola não tem autonomia de decidir os próximos passos".

Medidas necessárias

Em nome do Grêmio Estudantil, Felipe disse ainda que espera "que sejam tomadas medidas", mas que não concorda com as ameaças que Bortolo vem sofrendo após a repercussão do caso. De acordo com o estudante, o professor chegou a relatar que documentos e o endereço de sua residência foram divulgados.

Ao se pronunciar sobre o caso, a Escola Estadual Amaral Wagner disse que o professor fez uma retratação formal e reconheceu que sua ação foi "infeliz". Mesmo após medidas preliminares, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) e o Coletivo Quilombo Dandara, que denunciou o caso, cobraram uma punição ao docente para coibir o racismo.

A reportagem entrou em contato por telefone com o professor nesta quarta-feira, mas ele disse que estava em reunião e retornaria a ligação. Bortolo não atendeu as ligações posteriores nem respondeu as mensagens. O espaço segue aberto a manifestação.

Leia a íntegra da nota:

Eu, LUIZ ANTONIO BORTOLO, professor de História da Rede Estadual de Ensino, docente na Escola Estadual Amaral Wagner em Santo André - SP, e profundamente antiracista, venho esclarecer um grande mal entendido criado a partir de uma filmagem feita em festa de final de ano na escola, postada nas redes sociais. Nesta filmagem, apareço vestido com roupas da famigerada Ku Klux Kan, grupo racista e supremacista branco dos EUA.

Isso foi denunciado erroneamente nas redes sociais como se eu estivesse fazendo apologia do racismo, e por conta disso venho sendo execrado nas redes sociais e nos meios de comunicação.

Mas a verdade dos fatos é o seguinte: desde 2017, ainda na Escola Oscavo de Paula, monto uma peça teatral de denuncia do racismo, no mês da consciência negra, em que existem personagens vestidos de Klan.

Nesse ano, na Escola Amaral Wagner, pretendia fazer o mesmo, com o conhecimento e autorização verbal da direção escolar.

Mas não foi possível por conta da pandemia, razão pela qual a peça deveria ser filmada.

No dia 8 de dezembro, na festa de final de ano da escola,  professores e alunos foram convidados a vir fantasiados. Nesse momento, no desejo de me alinhar aos alunos, já fantasiados, peguei a veste da KK Klan que estava em meu armário e a vesti, para divulgar a nossa peça teatral, que seria apresentada na semana do 13 de maio, por ocasião da libertação formal dos escravos.

Muitos dos meus alunos entenderam perfeitamente o que aconteceu.

Neste momento, fui filmado por celular e essa filmagem gerou a denúncia contra mim, por pessoas que desconheciam o contexto. Fiquei pouquíssimo tempo vestido com tais vestes, porque de fato não faria sentido permanecer com elas mais tempo.

Peço aqui desculpas sinceras pelo choque causado, mas reitero que a intenção era a divulgação da nossa peça teatral. Porque de fato a simples visão da indumentária desses racistas facínoras, a quem eu repudio, é digna de asco.

Mas o fato é totalmente diferente do que vem sendo divulgado contra mim, seja nas redes sociais, seja nos meios de comunicação.

E aproveito para reafirmar meu firme propósito de continuar fazendo de minha atividade como professor um instrumento de desenvolvimento de consciências críticas, de pessoas que possam combater com firmeza, entre outras pragas, o racismo estrutural que infelizmente ainda se faz presente em nossa sociedade.

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