O ex-secretário de Administração Penitenciária, Raphael Montenegro , usou o discurso de que era o responsável pela pacificação nas ruas do Rio quando conversou, em maio, com os detentos do Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná. Num diálogo gravado entre ele e Cláudio José de Souza Fontarigo, o Claudinho da Mineira, um dos chefes da principal facção criminosa fluminense, Montenegro conta que negociou com presos para que não houvesse insegurança no estado depois da operação no Jacarezinho, no dia 6 de maio.
Ele disse que ficou até de madrugada no Complexo de Gericinó, na Zona Oeste, no dia seguinte à ação da Polícia Civil, que resultou em 28 mortes no Jacarezinho, conversando com lideranças da cadeia.
Segundo o ex-secretário, para que não houvesse retaliação por parte do tráfico, ele negociou o retorno das visitas íntimas durante a pandemia, o que não era recomendado pelas autoridades na área de Saúde.
Antes de dar início à conversa com Fontarigo, é possível ouvir, pela gravação captada pelo setor de inteligência do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o forte barulho das trancas se abrindo para a entrada de Montenegro e os dois ex-subsecretários, que o acompanharam, no local reservado para o bate-papo: o parlatório.
O lugar é usado para a conversa entre advogados e detentos. Fontarigo ficou numa sala isolada com grades, o que trazia ainda mais segurança à cúpula da Seap. Todos estavam sentados.
Montenegro se apresenta: "Meu nome é Raphael, secretário de Administração Penitenciária". O ex-secretário faz uma introdução e explica que pretende ajudá-los a voltar para o Rio, desde que haja um "papo de homem". No meio da conversa para o fim, Montenegro fala do acordo que fez com presos para manter a segurança no Jacarezinho
Fontarigo comenta sobre as ações de 2010 — uma série de ataques no estado, que ocorreu em novembro daquele ano, orquestrada por chefes da maior facção criminosa fluminense —, que culminou com a prisão de 10 lideranças, principalmente dos Complexos da Penha e do Alemão, com ordens vindas de dentro dos presídios. Eles acabaram sendo mandados para o Presídio Federal de Catanduvas. Ele comenta que: "toda ação vai ter uma reação. E a gente sabe que quando há uma ação muito errada, provoca uma reação muito grande".
Montenegro o interrompe e emenda: "Você soube da história do Jacarezinho?".
O preso responde: "Agora, recentemente, 28 pessoas assassinadas?".
O ex-secretário prossegue: "Então, naquele dia, a gente saiu da cadeia quase uma hora da manhã. Nós conversamos. Se tiver (inaudível)... Nossa percepção é a seguinte: 'guerra na rua é guerra na cadeia. Vocês vão trazer guerra na rua para a cadeia. Agora, se a gente sentir que tem coisa coordenada da facção, de dentro para fora, a gente vai cobrar. Outra coisa, o companheiro está na rua, faz uma maluquice, é do jogo... Fato isolado. No Jacarezinho, a gente imaginou o seguinte: vai ter queima de ônibus. Coisa que só acontece se a facção tiver organizada".
Fontarigo o interrompe: "Até também porque morrem muitos inocentes".
Montenegro argumenta: "Essa é uma briga da Polícia Civil com a OAB, a Defensoria Pública. A gente não traz os problemas da rua para a cadeia. A gente sabe que vocês estão acostumados a isso... A reação ocorre".
Já chegando ao fim da conversa, o ex-secretário explica como consegue manter a ordem nas ruas, evitando problemas nas favelas dominadas pelos presos. Ele dá como exemplo uma conversa que teve com Charles Silva Batista, o Charles do Lixão, que estava vendendo crack em excesso e trazendo problemas ao entorno da favela de Caxias, território que domina: "Você (Fontarigo) é um cara importante! ... Mas vou tentar com você, tentar resolver lá fora... uma coisa ou outra, um excesso. Por exemplo, o Charles... 'pô, Charles, crack não dá, beleza? Não, beleza? Crack não dá!' ... vamos tentar resolver isso aí (inaudível). Ele mesmo falou: 'pô, crack pra mim é uma boca muito rentável'. Mas tá demais! Tem que diminuir!".
Em seguida, Montenegro retoma a conversa sobre o Jacarezinho na parte final da gravação, explicando que negociou a paz nas ruas com a liberação de visitas íntimas durante a pandemia: "Tava na pandemia. Fomos contra a secretaria de Saúde, contra a secretaria de não sei o que, contra a vontade do governador. Vocês ganham espaço na medida que a gente consegue, todo mundo junto, trabalhando em prol da segurança pública. Deu problema, eu desmonto o parlatório. Parlatório é benefício. Deu problema, eu diminuo a visita. A gente teve que negociar as visitas. Não posso pensar só para o VP".
VP significa Vicente Piragibe, onde estava preso Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha, outra liderança do tráfico. Ele cumpria pena nesta unidade, mas foi solto pelas mãos do ex-secretário, mesmo tendo um mandado de prisão ativo, no dia 27 de julho.
O fato também pesou para a saída de Montenegro, que afirmou que cumpriu os protocolos para a libertação do preso. Quintanilha teria sido uma das pessoas com quem Montenegro conversou para evitar uma reação do tráfico no episódio do Jacarezinho, segundo o próprio ex-secretário.