A Polícia Federal deflagrou, nesta terça-feira, a operação Simonia, que tem por objetivo desarticular um esquema criminoso na cúpula da Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap). O secretário e advogado Raphael Montegro é um dos alvos. A ação acontece após a retirada de cela do principal chefe da maior facção criminosa do estado, Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, do Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná, em 28 de maio deste ano.
O pedido foi feito por Montenegro, que fez uma visita à penitenciária para uma conversa com o detento no pátio. O fato chamou a atenção da direção da unidade prisional. Um inquérito foi instaurado pela Polícia Federal e, numa investigação conjunta com o Ministério Público Federal do Rio, ambos decidiram pedir a prisão temporária do secretário. Os mandados de busca e apreensão e de prisão de Montenegro e de dois colaboradores foram concedidos pelo Tribunal Regional Federal do Rio (TRF-2).
As celas dos presídios federais são individuais e monitoradas em tempo real. Tudo é filmado e arquivado. Visitas de secretários de Administração Penitenciária aos detentos oriundos de seus estados são consideradas inusitadas. A retirada deles de suas celas é algo ainda mais incomum, segundo fontes. Por serem de segurança máxima, todas as unidades federais contam com um sistema escuta ambiental, para que nada fuja do controle da direção da penitenciária.
Uma fonte disse ao GLOBO que a conversa do secretário com Marcinho VP teria sido gravada por meio desse sistema de captação. Ambos teriam discutido sobre o retorno do traficante ao Rio. O registro da conversa foi considerado de “teor sensível” pelos investigadores federais. O conteúdo encontra-se em segredo de justiça.
Em 4 de maio deste ano, Montenegro, que tinha assumido em janeiro na gestão do governador Cláudio Castro, mandou um e-mail para o juiz federal da Seção de Execução Penal de Catanduvas, Danilo Pereira Junior, solicitando uma visita à unidade. No pedido, ele argumenta que, “tendo em vista a crescente demanda” para que a secretaria se manifeste “acerca da pertinência de retorno dos apenados” do Rio, ele precisava da autorização para visitá-los na condição de secretário.
Na comunicação com o juiz-corregedor do presídio federal, ele ressaltou ainda ter submetido o requerimento ao Juízo da Vara de Execuções Penais (VEP) do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), e que este teria manifestado “favoravelmente”. No entanto, nenhum documento com a referida autorização da VEP foi anexado ao pedido.
Durante as investigações da Polícia Federal e do MPF, ao colher informações sobre a ida de Montenegro, descobriu-se que o juiz federal da Seção de Execução Penal de Catanduvas recebeu da VEP fluminense um documento datado de 7 de agosto informando que não houve manifestação favorável à visita.
De acordo com o ofício, assinado pelo juiz titular da VEP, Marcello Rubioli, ele, de forma contundente afirma que nunca autorizou, solicitou, concordou ou incentivou ninguém a entrevistar presos.
O magistrado informou no documento que o secretário o procurou, informalmente, dizendo que pretendia “traçar o perfil” dos detentos “para qualificar os relatórios de inteligência, dado que achava que os mesmos seriam tendenciosos e, na sua opinião, muitos presos poderiam retornar ao Estado do Rio de Janeiro, desejando apurar a quem assistiria tal possibilidade”. Rubioli explicou no documento que a VEP não tinha atribuição de permitir o negar a autorização, uma vez que a jurisdição da unidade é de âmbito federal.
Marcinho VP se encontra fora do Rio desde 2007. Desde então, ele está em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) numa penitenciária federal. As autoridades fluminenses justificam a manutenção do apenado em presídio federal, por ele ser uma liderança criminosa de extrema periculosidade.
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Com o agendamento da visita, o secretário visitou Marcinho VP com dois subsecretários da pasta. Ao retornar ao Rio de imediato, manteve uma agenda, segundo o próprio secretário informou ao GLOBO, de visitar as cadeias duas vezes por semana, principalmente as do Complexo de Gericinó, na Zona Oeste, onde estão os principais chefes de facções criminosas.
Um dos presos visitados pelo secretário foi Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha, de 50 anos, solto no último dia 27. A libertação de Quintanilha, um dos principais chefes presos no Rio, da mesma facção de Marcinho VP, causou uma controvérsia que envolveu o Tribunal de Justiça do Rio, o Conselho Nacional de Justiça, a Polícia Civil e, por último, o Ministério Público.
O detento tinha um mandado de prisão ativo pelo 3º Tribunal do Júri da Capital e, apesar de o cartório da vara ter informado por meio eletrônico a pendência, a Secretaria de Administração Penitenciária, o soltou, sob a alegação que estava cumprindo ordem judicial da 29ª Vara Criminal, que realmente mandou libertá-lo.
Em sua defesa, Montenegro, que assinou o documento de liberação de Quintanilha, afirmou que cumpriu o protocolo que a lei determina, consultando o setor de Distribuição e Controle de Processos (DCP) do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) e buscando o nome do preso no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Neste último realmente não havia informação de mandado de prisão ativo, mas o 3º Tribunal do Júri da Capital não só avisou à Seap, como ressaltou que havia um atraso no sistema, o que justificava o alerta.
Outra polêmica envolvendo o preso foi a entrada de três tortas, salgadinhos e embalagens de frango na cantina do Presídio Vicente Piragibe, no Complexo de Gericinó, onde Quintanilha ainda estava preso, no dia 24 de julho, três dias antes de ser solto. O Ministério Público investiga se os produtos foram para a realização de uma festa de aniversário para o chefe da fação criminosa dentro da cadeia.
Na última sexta-feira (dia 13), o governador Cláudio Castro estava com a exoneração de Montenegro pronta e que ela seria publicada na segunda-feira (dia 16). Fontes informaram ao GLOBO que, devido a pressões, Castro decidiu esperar até esta terça-feira.