Cresce número de tatuagens para homenagear mortos pela Covid-19
Banco de imagens/Pixabay
Cresce número de tatuagens para homenagear mortos pela Covid-19

O médico Felipe Caputo, de 51 anos, atuou no começo da pandemia na linha de frente contra a Covid-19 num hospital de Itaboraí. Em 15 de maio desse ano, perdeu o pai Jorge Caputo, aos 76, para a doença que ele ajudou a enfrentar. Ainda não tinha superado a ausência paterna quando, 28 dias depois, o mesmo mal levou sua mãe, Maria Luiza Caputo, aos 75. O casal, que morava na Vila da Penha, na Zona Norte do Rio, era o xodó do filho, que resolveu eternizar a saudade dos dois em tatuagens que carrega no corpo.

"Isso me conforta de certa forma. É como se eles estivessem comigo o tempo todo", desabafa Felipe, que tatuou o rosto do pai no antebraço esquerdo e o da mãe na perna direita.

Quando reabriu o seu estúdio de tatuagens num shopping de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, em julho do ano passado, após cinco meses de fechamento por conta das medidas de restrição, o tatuador Gustavo Gomes, de 38 anos, notou uma mudança no comportamento dos clientes. Especialista em tatuar retratos, percebeu que em vez de homenagear pessoas vivas, como namoradas, esposas e filhos, os clientes passaram a pedi-lo para eternizar na pela imagens de entes queridos perdidos para a Covid-19, principalmente os pais.

"Depois da pandemia esse tipo de homenagem, que já existia antes, cresceu bastante. Foi um aumento entre 40 e 50%", calcula.

Antonio Guido de Morais, pai da funcionária pública Luciane Ano Bom, de 40 anos, morreu de Covid-19, aos 72 anos, em 27 de maio do ano passado, deixando uma saudade sem tamanho na filha. Ela o considerava seu maior amigo. Juntos iam a churrascos, jogos de futebol e shows de rock. Ele era fã do Guns N' Roses. Nem a morte os separou. A tatuagem que Luciane carrega no braço esquerdo (para ficar perto do coração) mantém pai e filha unidos.

"Quem me conhece sabe que o meu pai era muito especial na minha vida. Nossa relação ia além da de um pai e sua filha. Era o meu amigo, muito presente", recorda a moradora do Irajá.

O bancário Rafael Duarte, de 34 anos, morador na Vila da Penha, já carregava três tatuagens no corpo. Uma era do escudo do Vasco e outras duas em homenagem às filhas Rafaella, de 7, e Julliana, de 1. Mas não trazia o rosto delas. Quando se decidiu pela quarta tatuagem buscou como modelo uma foto da mãe, Germana, de 59 anos, com a neta caçula no colo. O agendamento estava feito antes da pandemia, mas no começo de junho do ano passado a Covid-19 levou a matriarca depois de 15 dias de internação e 85% do pulmão comprometido. Como no antebraço esquerdo só havia espaço para tatuar uma pessoa, a escolhida foi a mãe.

"É como um amuleto. Como se ela estivesse sempre aqui olhando por mim", define.

Rafael Duarte tatuou imagem da mãe Germana, morta aos 59 anos
Acervo pessoal
Rafael Duarte tatuou imagem da mãe Germana, morta aos 59 anos

Detalhes que fazem a diferença
Além dos rostos, os filhos fizeram questão de eternizar uma característica marcante dos homenageados. No peito do pai de Luciane Ano Bom, o tatuador inseriu um escudo do Botafogo que não estava na foto original que serviu como modelo. O pai do ortopedista Felipe Caputo está com um copo de cerveja na mão. É que a última lembrança alegre que o filho tem dele é de um churrasco em família. E a mãe do bancário Rafael Duarte foi tatuada com o largo sorriso, que era sua marca registrada.

"Gostaria que ela fosse lembrança desse modo. Todo mundo achava que o sorriso dela era o seu cartão postal", justificou o filho.

O tatuador Leandro Azevedo, de 38 anos, dono de um estúdio móvel que atende as zonas Norte e Oeste do Rio, também viu crescer pedidos para tatuar nomes, frases ou desenhos que lembram pessoas mortas pela Covid. Um retrato realista como faz o tatuador Gustavo Gomes custa de R$ 2 mil a R$ 3,5 mil e pode demorar até 8h para ficar pronto.

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