Júlia Lotufo, viúva do ex-capitão do Bope e miliciano Adriano da Nóbrega, já tem planos, caso sua delação seja homologada : deixar o país o mais rápido possível. Mas ela não pretende ir sozinha. Ela quer a companhia do empresário Eduardo Vinícius Giraldes Silva, de 40 anos, com quem se casou em regime de comunhão total de bens, oito meses depois da morte do miliciano, em outubro do ano passado. O problema é que, como Giraldes responde a um processo por lavagem de dinheiro e sonegação fiscal na Justiça Federal, o passaporte dele foi confiscado, medida adotada justamente para evitar a fuga do réu.
A delação de Júlia tem dois propósitos em benefício do casal: o perdão da Justiça no processo em que a viúva de Adriano da Nóbrega responde por organização criminosa e lavagem de dinheiro, na 1ª Vara Criminal Especializada na capital do Rio, e a liberação do passaporte de Giraldes. O salvo-conduto de Júlia depende da assinatura do procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos, conforme O GLOBO revelou nesta quinta-feira. Como há indícios de pessoas com foro privilegiado nos relatos dela, a decisão está nas mãos do chefe do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). Se for assinada, ainda passará pelo crivo da Justiça.
Para quem estava acostumado a viajar como Giraldes, o confinamento tem sido um castigo. O empresário, conhecido por patrocinar os quatro times cariocas, desde 2018, costumava ter como destino certo Portugal, a pretexto de negócios que teria como revendedor de um azeite, o Royal. O produto, segundo a propaganda da marca, seria importado de lá. Relatório da Inteligência da Polícia Federal, ao qual O GLOBO tiveram acesso, informa que Giraldes, cujos apelidos são Pisca e Bebezão, viajou quatro vezes, só em 2019, para a cidade portuguesa do Porto. Apesar da frequência com que viajava a negócios, parecia que o resultado do esforço não se refletia na distribuição do produto. Era raro ver a garrafa de azeite nas prateleiras de supermercados. Em 2017, já tinha viajado, além de Lisboa, para Paris e Milão.
Já as viagens de Júlia se limitavam aos estados do Brasil, no rastro de Adriano da Nóbrega, que estava sempre em fuga, desde que teve a prisão decretada em janeiro de 2019, pela Operação Intocáveis do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ. A ação foi para desmantelar a milícia de Rio das Pedras e Muzema, na Zona Oeste, comandada pelo ex-capitão do Bope. Os estados visitados por Júlia são Bahia, Sergipe, Minas Gerais e São Paulo. No dia 8 de fevereiro do ano passado, véspera da morte do miliciano — que chefiava também um grupo de matadores de aluguel —, Júlia e a filha, então com sete anos, tinham passado uns dias com o miliciano, na Bahia.
De acordo com o relatório de Inteligência da PF, Giraldes, que também já foi condenado a oito anos por associação criminosa, falsificação e uso de documento particular, entre outros, tinha uma dívida com Adriano da Nóbrega, que também atuava na prática da agiotagem. Este ramo, inclusive, teria sido “herdado” por Júlia. A dívida do empresário teria sido contraída em agosto de 2018. A Polícia Federal não informa no documento reservado o valor da dívida, mas fica implícito que a união estável do casal Júlia e Giraldes seria mais um negócio entre eles.
O processo de delação de Júlia passou por quatro promotores, além do procurador-geral de Justiça, e gerou a saída das titulares da Força-Tarefa do Caso Marielle e Anderson, Simone Sibílio e Letícia Emile. Até o momento, Luciano Mattos não conseguiu encontrar um promotor que assumisse as investigações das mortes da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, ocorridas há três anos e quatro meses. O coordenador do Gaeco, o promotor Bruno Gangoni, responde interinamente pelo caso.