Fiação clandestina em Rio das Pedras, área de atuação de uma das maiores milícias do Rio
Fabiano Rocha / Agência O Globo
Fiação clandestina em Rio das Pedras, área de atuação de uma das maiores milícias do Rio

O ano era 2012. Aproveitando-se da falta de fiscalização, um grupo de paramilitares iniciou um loteamento, ilegal, de terras no entorno do Parque da Pedra Branca, na Taquara. Ali, criou o condomínio Bosque Pedra da Boiúna, para o qual desviava água, sinal de TV por assinatura e energia elétrica. No ano passado, a Light finalmente regularizou pontos de luz no local, mas, para serem autorizados a receber funcionários da empresa, moradores foram obrigados a pagar R$ 200, cada um, aos criminosos que controlam a região. O caso, descrito em uma denúncia apresentada pelo Ministério Público do Rio à Justiça em março, mostra como a  milícia vem conseguindo aumentar seus lucros, seja criando serviços ou sobretaxando o trabalho de concessionárias.

A Light calcula que, de junho de 2019 a junho deste ano, perdeu 73% da energia que distribui em 230 áreas de risco da Região Metropolitana, dominadas por milicianos ou traficantes. São locais onde vivem 703 mil clientes, 16% do total da concessionária, que deixou de faturar R$ 4,1 bilhões no período. E não foi só ela que amargou prejuízo: o estado ficou sem R$ 747 milhões na arrecadação de ICMS e, por conta dos “gatos”, a conta de quem paga o serviço legal de fornecimento de energia está, em média, 15% mais cara.

A Enel , que atua em Niterói e outros 65 municípios fluminenses, cita 280 áreas de risco, onde 56% da eletricidade é furtada por milicianos ou traficantes.

De acordo com o Ministério Público, há locais em que, mesmo pagando a conta de luz de uma concessionária, o morador precisa arcar com uma taxa ilegal sobre o serviço, imposta por paramilitares. E uma investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado ( Gaeco ) mostrou que os criminosos estão mesmo diversificando esforços para aplicar golpes e faturar em cima do fornecimento regularizado de energia.

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Promotores denunciaram uma quadrilha que atuava em quatro condomínios do Minha Casa Minha Vida no bairro Jardim Paraíso, em Nova Iguaçu. Ali, milicianos cooptaram um técnico da Light para efetivar um cadastro de invasores de apartamentos junto à concessionária, como se eles fossem os reais proprietários das unidades. A documentação tinha como objetivo “validar” a ocupação. Em contrapartida, os moradores, comprometidos a arcar com cobranças por segurança, água, gás e “ gatonet ”, ganharam mais uma taxa para pagar aos militares: a de licença para receber luz .

Pacotes para navegar

Moradores de áreas controladas por milícias disseram ao Globo que operadoras tradicionais de internet não prestam serviços para suas casas, pois alegam que os cabeamentos sempre são roubados. Quando existe a oferta, os preços seriam maiores que os cobrados na Zona Sul. O crime organizado, então, entra em campo. Seus preços variam por região: em Sepetiba, o pacote de 15Mb custa R$ 59,90; já em Rio das Pedras, a velocidade é maior e mais em conta: 50Mb saem por R$ 50.

As principais operadoras do setor se manifestaram sobre o assunto por meio de seu sindicato, o Conexis Brasil Digital, que respondeu não haver estatísticas de prejuízo no Rio . No país, a entidade calcula que o roubo de 4 milhões de metros de cabos provocou, no ano passado, interrupções de serviço para 5 milhões de clientes.

Promotor do Gaeco, Michel Zoucas afirma que os grupos paramilitares se organizam para conseguir “o máximo domínio da economia local”: "O controle sobre a venda de botijões de gás e o transporte alternativo, além do “gatonet”, é bem conhecido. Já o faturamento em cima da energia é mais recente. Em relação à oferta de internet, pequenas operadoras, empresas de fachada da milícia, conseguem autorização para atender um número determinado de pontos, mas acabam extrapolando esse limite. Os paramilitares pegam comerciantes para criá-las ou usam um CNPJ novo, em nome de um laranja, uma forma de atuação criminosa mais sofisticada".

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