A ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira pela suspensão da produção de qualquer tipo de dossiê por parte do Ministério da Justiça com informações sobre a posição política de servidores públicos. A ministra afirmou que fabricar documento com esse tipo de informação é desvio de finalidade da atividade de inteligência do Estado.
"Nem a órgão estatal, nem sequer a particulares não compete fazer dossiês contra quem quer que seja, nem instaurar procedimentos de cunho inquisitorial. No Direito Constitucional, o uso ou abuso da máquina estatal para colheita de informações de servidores com postura contrária ao governo caracteriza sim desvio de finalidade, pelo menos em tese", afirmou.
E completou: "Também não se demonstra legitimidade da atuação de órgão estatal de investigar e de compartilhar informações de participantes de movimento político, aqui chamado antifascistas, a pretexto de se cuidar de atividade de inteligência, sem se observar o devido processo legal", disse a ministra.
Está em julgamento uma ação da Rede Sustentabilidade que questiona a produção do dossiê pelo Ministério da Justiça contra servidores ligados a movimentos antifascistas. O partido pede ao STF a "imediata suspensão da produção e disseminação de conhecimentos e informações de inteligência estatal produzidos sobre integrantes do ‘movimento antifascismo’ e professores universitários".
Em explicações enviadas à Corte, o Ministério da Justiça afirmou que a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) não produz dossiês contra nenhum cidadão e não instaura "procedimentos de cunho inquisitorial".
A secretaria foi apontada como autora de um relatório sigiloso sobre quase 600 servidores públicos da área de segurança identificados como integrantes do movimento antifascismo e opositores do governo do presidente Jair Bolsonaro.
“A SEOPI reitera que sua área de inteligência atua subordinada à mais estrita legalidade, em consonância com os marcos e limites normativos impostos à atividade de inteligência e, portanto, sem qualquer viés investigativo, punitivo e persecutório”, diz o documento enviada ao Supremo pelo ministério.
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O julgamento será retomado na quinta-feira, com o voto dos outros dez ministros do Supremo. Antes do voto da relatora, o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que o dossiê na verdade é um relatório de inteligência para evitar riscos à segurança pública, e não uma investigação.
"A atividade de inteligência antecipa cenários de risco. O Ministério Público não admite que governos espionem opositores políticos. E isso precisa ficar claro. Relatório de inteligência não se confunde com investigação criminal", disse Aras, ao defender a legalidade do dossiê.
"Quando pessoas armadas se reúnem em protestos políticos, a segurança pública pode ser colocada em risco. Relatórios de inteligência antecipam cenários de risco, não são investigações criminais", concluiu.
O advogado-geral da União, José Levi do Amaral Júnior, também defendeu a legalidade do documento:
"É informação, não é investigação, e não há dados para além de informações públicas", afirmou, completando: "A União, aí incluído o Ministério da Justiça, rejeita toda e qualquer forma de autoritarismo ou de totalitarismo, incluindo o fascismo. Nosso país é uma democracia, uma democracia vibrante, plural. Fosse uma autocracia, não estaríamos em meio a um debate livre como estamos".
Ao pedir informações do governo, Cármen Lúcia, relatora do caso, afirmou que “a gravidade do quadro descrito na peça inicial, que - a se comprovar verdadeiro - escancara comportamento incompatível com os mais basilares princípios democráticos do Estado de direito e que põem em risco a rigorosa e intransponível observância dos preceitos fundamentais da Constituição da República”.
Carmen Lúcia também determinou que o Ministério da Justiça entregasse a cada um dos ministros do STF o dossiê com dados dos servidores público. Na segunda-feira mesmo, a pasta informou que enviou o documento aos ministros.
Segundo o ministério, o material é o mesmo enviado na semana passada à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional.