Sob pseudônimo, trabalhadoras relatam situações críticas
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Sob pseudônimo, trabalhadoras relatam situações críticas

“Ela disse assim: ‘Olha, você não vai poder voltar para casa, vai ter que ficar. Vai todo mundo entrar em quarentena’”. Era meio de março quando a trabalhadora doméstica D.A. (as iniciais foram usadas para preservar sua identidade) ouviu a sugestão da patroa. Ela trabalhava havia alguns anos na casa de uma família no Recife e, com a pandemia da Covid-19 , a empregadora propôs que ela ficasse um mês sem voltar para casa. Depois pediu outros 30 dias. E mais.

Foram 93 dias sem que D.A. visse os filhos e netos ou saísse à rua. Só descia para pegar encomendas de feira, padaria e farmácia. Só deixou o local em junho, para acompanhar a filha grávida, a ponto de ter bebê.

"Aceitei porque achei que seria um mês. Mas a coisa foi piorando, e fui ficando. Tinha dia em que eu chorava", diz D.A., de 52 anos, que foi remunerada e não considerou fazer uma denúncia, mas que não repetiria a combinação: "Tinha hora para acordar, mas não para dormir. Quando voltei para casa, pensei: “Vou dormir três dias seguidos!”. Não consegui. Estava emocionada por abraçar minhas filhas. Me senti gente.

Assim como casos de violência contra a mulher, abusos no trabalho doméstico cresceram durante a pandemia . As denúncias não são centralizadas em uma só instituição, mas relatadas por especialistas.

"Junto aos contratos encerrados, denúncias sobre abusos cresceram. Muitas mulheres são coagidas a aceitar ficar ou perdem o emprego. É um limite tênue entre o abuso e o trabalho análogo à escravidão", diz Luiza Batista, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad).

A empregadora de S.N., de 42 anos, pediu que ela voltasse para casa só duas vezes por mês. Alegou que não poderia bancar corridas de aplicativo diariamente e preferia que ela não usasse transporte público. Desde março, S.N. vê os dois filhos, menores de idade, a cada 15 dias. Cozinha e congela comida para eles até o próximo encontro. Diz que não teve opção. Quando ofereceu o “trato”, a patroa disse que ela não era obrigada a topar. Mas buscaria outra pessoa que aceitasse.

"A pandemia exacerbou a discriminação social de trabalhos muitas vezes não formalizados. São difíceis de quantificar, pois ocorrem dentro das casas. E o poder público não consegue atuar sem uma denúncia", explica Ricardo Alves, coordenador do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP) da Secretaria da Justiça e Cidadania de São Paulo.

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