Bidi foi encontrado já sem vida dentro de van na Barra da Tijuca
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Bidi foi encontrado já sem vida dentro de van na Barra da Tijuca

A Polícia Civil e o Ministério Público do Rio (MPRJ) deflagraram, na manhã desta terça-feira (30), uma operação contra o principal grupo de matadores de aluguel do Rio: o Escritório do Crime. Agentes cumprem dois mandados de prisão contra os chefes do bando, além de 20 de busca e apreensão em vários pontos da cidade. Alguns locais são residências de três ex-PMs e de um policial inativo. O principal alvo é Leonardo Gouvea da Silva, o Mad, substituto do ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), Adriano Magalhães da Nóbrega, à frente da organização criminosa.

Mad foi preso na casa dele, de dois andares, na Vila Valqueire, na Zona Norte do Rio. A prisão dele foi anunciada pelo titular da Delegacia de Homicídios, Daniel Rosa, que leu os direitos do preso. Ele estava dormindo no andar superior com a mulher. Ao ser abordado, Mad perguntou se havia um mandado de busca e apreensão.


"Tudo aqui é dentro da lei", disse Rosa, mostrando os mandados de busca e apreensão e de prisão contra Mad. O preso foi logo se justificando, sem que fosse perguntado: "Não tenho nada com a morte da Marielle", respondeu para o delegado e para a coordenadora do Gaeco, Simone Sibilio.

Meses antes de ser morto em 9 de fevereiro deste ano, em Esplanada, no interior da Bahia, Adriano, criador do Escritório do Crime, resolveu se dedicar mais à exploração da milícia de Rio das Pedras e da Muzema , no Itanhangá, Zona Oeste do Rio. Ele passou a chefia da organização criminosa para as mãos de Mad, seu amigo de infância, portanto, de total confiança do ex-PM. Mad ficou encarregado de arregimentar mais ex-policiais para o grupo e a negociar as “encomendas” com chefes da contravenção. O ex-capitão do Bope virou, então, conselheiro da facção de pistoleiros de aluguel, embora suas decisões ainda fossem seguidas à risca.

De acordo com as investigações, Mad e seu grupo são acusados do assassinato do empresário Marcelo Diotti da Mata, no estacionamento do restaurante Outback, na Avenida das Américas, Barra da Tijuca, no dia 14 de março de 2018. Diotti foi alvejado ao lado de seu carro, um Mercedes SUV branco. No local, foram encontradas cerca de 20 cápsulas de calibres 7.62 e 5.56. A data do homicídio de Diotti coincide com a dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, no Estácio, na Zona Norte do Rio.. Os dois crimes ocorreram à noite.

Com a quebra do sigilo telefônico, autorizado pela Justiça, de alguns dos integrantes do Escritório do Crime, o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) - que coordenou a ação com a DH Capital- fez o rastreamento dos aparelhos. Os investigadores descobriram que um dos celulares usados por Mad se encontrava justamente na área onde Diotti fora assassinado.

O empresário era casado com Samantha Miranda, ex-mulher do ex-vereador Cristiano Girão, que fora condenado por formação de quadrilha e crime eleitoral. O ex-parlamentar também foi acusado de comandar uma milícia na Gardênia Azul, em Jacarepaguá. Ele chegou a ser investigado pela morte de Diotti, mas dissera, à época, que passou a noite numa churrascaria, também na Zona Oeste.

Para os investigadores, o ex-capitão do Bope, Adriano, ainda à frente do Escritório do Crime , em 2018, estaria por trás do assassinato do empresário. O motivo seria a disputa do legado deixado pelo bicheiro Waldomiro Garcia, o Miro, ex-patrono do Salgueiro, que morreu de complicações decorrentes de um enfisema pulmonar, em outubro 2004.

Adriano teria descoberto um plano de Diotti para matá-lo. Segundo os investigadores, o ex-capitão do Bope soube a ordem teria partido do pecuarista Alcebíades Paes Garcia, o Bid, filho de Miro e irmão do Waldemir Paes Garcia, o Maninho. Este último fora assassinado no dia 28 de setembro de 2004, portanto, um mês antes de o patriarca da família morrer de causas naturais.

O objetivo de Bid, de acordo com as investigações da polícia, seria dar um fim ao maior rival na disputa do legado: Bernardo Bello Barboza, ex-marido de sua sobrinha Tamara Garcia (filha de Maninho). Ele acreditava que, para chegar a Bernardo, teria antes de matar Adriano, na época pago para proteger o rival. Por esse motivo, procurou Diotti. Mas o ex-capitão ao tomar conhecimento da trama, resolveu se antecipar, ordenando que o Escritório do Crime executasse Diotti.

No dia 25 de fevereiro deste ano, outro homicídio ocorreu no clã Garcia. Desta vez, a vítima foi Alcebíades. Ele foi atacado por homens armados, que o esperavam dentro de um carro, quando Bid voltava da última noite de desfiles das escolas de samba do Grupo Especial, na Marquês de Sapucaí. O crime ocorreu quando ele saía da van, que o buscou do Sambódromo, em frente a um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, na Zona Oeste. Os investigadores da DH e do Gaeco atribuem mais este assassinato ao Escritório do Crime.

Antes da morte de Bid, em outubro do ano passado, Shanna Harouche, filha de Maninho e sobrinha da vítima, também sofrera um ataque a tiros, em frente a um shopping no Recreio dos Bandeirantes. Mesmo baleada, ela conseguiu escapar e sobreviver. Em depoimento à DH, a vítima acusou o ex-cunhado Bernardo como mandante do ataque. O motivo: a disputa no espólio de Maninho. Após a morte de Bid, Shanna ratificou a suspeita, em sua segunda ida à delegacia.

O rastro de mortes envolvendo integrantes da família Garcia é longa. A Polícia Civil não chegou nem aos executores do assassinato de Maninho, há 16 anos. Ainda há o assassinato do filho de Maninho, Myro Garcia, em 2017, cujas investigações, até o ano passado, tratavam o caso como uma execução após um sequestro. Na verdade, o crime estaria relacionado também à disputa pela herança.

Os inquéritos de homicídios ligados aos Garcia permaneciam parados até a chegada do Gaeco, que entrou para investigar as mortes de Marielle e Anderson. Antes de a promotoria chegar ao sargento reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz, apontados como executores da parlamentar e de seu motorista, foi possível descobrir o Escritório do Crime. Os investigadores apuram ainda outros casos, ainda sob sigilo, que podem ter a impressão digital dos pistoleiros da organização criminosa.

Irmãs Mad e Tonhão tiveram prisão decretada pela Justiça

Além de Mad, também tiveram mandados de prisão expedidos pela Justiça: o irmão do chefe, Leandro Gouvea da Silva, o Tonhão, os ex-PMs João Luiz da Silva, o Gago; Anderson de Souza Oliveira, o Mugão; e Gurgel. Também há um PM na inatividade conhecido como Janjão, com atuação na milícia do Morro do Fubá, em Campinho, na Zona Norte do Rio. Além do Gaeco e da DH Capital, a operação teve o apoio de agentes da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do MPRJ.

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Tonhão também é remanescente do núcleo de Adriano e é considerado braço direito do chefe. Mad, Tonhão e Adriano jogavam bola em Quintino, quando eram crianças. O campo de futebol era administrado pelo pai dos dois irmãos, um ex-policial civil.

O Escritório do Crime foi revelado pelo GLOBO em agosto de 2018. Na época, a Polícia Civil chegou a chamar alguns de seus integrantes para serem ouvidos no duplo homicídio de Marielle e Anderson . Além de Mad, o próprio Adriano também prestou depoimento, pois havia a suspeita de participação deles no crime. Em dezembro do ano passado, em suas alegações finais contra a tentativa de federalização das investigações, o Gaeco apresentou o Escritório do Crime ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em suas alegações finais contra a tentativa de federalização do Caso Marielle, como uma “organização criminosa estruturalmente ordenada para a prática de homicídios mediante paga e de periculosidade acentuada”. O MPRJ conseguiu, em maio deste ano, que o duplo homicídio continuasse sendo investigado no âmbito estadual.

Quem era o criador do escritório do Crime

Um dos alvos da operação Intocáveis, desencadeada pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ) contra a milícia de Rio das Pedras, Adriano estava foragido desde janeiro do ano passado, até ser morto em fevereiro deste ano. O ex-capitão do Bope foi acusado pelo Gaeco de ser o chefe da milícia da Muzema e de Rio das Pedras e chefe do Escritório do Crime. Seu nome estava na lista de procurados da Interpol, mas não constava no levantamento do governo federal de bandidos mais perigosos, feita pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

A ligação de Adriano com o subtenente aposentado da PM Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, no esquema conhecido como “rachadinha”, também é investigado pelo MPRJ. Pelo sistema, assessores devolvem parte dos salários que recebem do parlamentar. Até novembro de 2018, quando Flávio ainda era deputado estadual, ele empregava em seu gabinete a mãe e a ex-mulher do ex-capitão do Bope, Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega.

Com a prisão de Queiroz, há duas semanas, veio a tona um encontro entre a mulher dele, Márcia de Oliveira Aguiar, que está foragida da Justiça, a mãe de Adriano e Luis Botto Maia, que foi advogado na área eleitoral de Flávio. A reunião ocorreu dia 3 de dezembro do ano passado, na cidade de Astolfo Dutra, em Minas Gerais. Segundo as investigações do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) do MPRJ, nas conversas por aplicativo de mensagens, Raimunda foi quem convidou Márcia para o encontro. A promotoria acredita que a mãe do miliciano, assassinado dois meses depois, era quem dava os recados para o filho junto com a então mulher de Adriano, Júlia Lotufo.

Adriano chegou a receber a medalha Tiradentes, a mais alta honraria do Legislativo fluminense, em 2005. A homenagem veio justamente das mãos de Flávio Bolsonaro. Dois anos antes, ele já havia recebido duas honrarias, de louvor e congratulações por serviços prestados à corporação, também do então deputado.

Além de miliciano, Adriano estava atuando ativamente na contravenção. Uma fonte da Polícia Civil disse que o ex-capitão tornou-se sócio de Bernardo. Ironicamente, ele ingressou no mundo da contravenção para ser chefe da segurança de Bid, mas depois passou para o lado do ex-marido de Tamara.

Diotti também atuava na contravenção, segundo investigadores

Marcelo Diotti, que era dono de uma marca de roupas (La Familia Comércio de Tecidos e Vestuário, na Avenida das Lagoas, 63, Gardênia Azul), já foi preso e respondeu por homicídio, porte de arma de fogo e exploração de máquinas caças-níqueis. O MPRJ o denunciou com mais seis envolvidos pela morte de um homem em Campo Grande, há oito anos. Eles foram acusados de executar a vítima após ela ganhar mais de R$ 2 mil nas máquinas. Diotti foi absolvido pelo homicídio em 2015.

Em pelo menos duas situações anteriores, Diotti havia escapado de emboscadas. Em junho de 2017, deixava um evento de música eletrônica na companhia da mulher, Samantha, no Hotel Grand Mercure, na Barra da Tijuca, quando o casal foi alvo de tiros disparados por um homem de dentro de um carro. Eles não ficaram feridos.

Meses depois, em fevereiro de 2018, Mad e seu grupo criminoso prepararam uma emboscada contra Diotti durante uma festa de aniversário ocorrida em sua residência, na Barra. O Gaeco apurou que o grupo desistiu da ação por causa da presença do chefe da milícia da Zona Oeste, Wellington da Silva Braga, conhecido como Ecko, “a quem nutriam respeito e deferência”, de acordo com as investigações.

Mad já figurou como suspeito da morte de Marielle

Mad chegou a figurar como suspeito das mortes de Marielle e Anderson. Tanto ele, como Adriano foram chamados para depor sobre o caso. Durante a primeira fase da operação, a equipe do ex-titular da DH, Giniton Lages, chegou a ouvir Mad em depoimento para saber o que ele fazia no dia em que Marielle foi morta.

Durante a operação Intocáveis, que desbaratou em janeiro do ano passado a milícia de Rio das Pedras, na Zona Oeste, o Gaeco e a Polícia Civil rastrearam uma conversa telefônica na qual Jorge Alberto Moreth, o Beto Bomba, ex-presidente da Associação de Moradores do bairro, diz ao vereador Marcello Siciliano que o crime contra a vereadora teria sido encomendado pelo conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão a Mad, Diego Lucas Pereira, o Playboy; e Edmilson Gomes Menezes, o Macaquinho. Estes dois últimos foram apontados como integrantes do Escritório do Crime, mas não há provas contra eles.

A suposta negociação, de acordo com Beto Bomba, teria ainda o intermédio de Marcos Vinícius Reis dos Santos, o Fininho. Na mesma gravação, o ex-dirigente comunitário contou que Mad também matou Diotti, apelidado de Shrek, na mesma noite. Os investigadores, porém, receberam as informações com reservas e já descartaram o envolvimento do pistoleiro na morte da vereadora.

“A única realidade plausível é que o investigado Beto Bomba lança diversas informações contraditórias e desprovidas de alicerce técnico probatório”, afirmou o MP-RJ em alegações finais no STJ. Embora reconheça os indícios substanciais dando conta da participação de Mad e seus comparsas no homicídio de Diotti, o órgão afastou por completo a possibilidade de seu envolvimento nos homicídios de Marielle e Anderson, “praticados em locais diametralmente opostos, em horários quase que simultâneos”, disseram os promotores nas alegações finais ao STJ.

Acusado de ser um dos chefes da milícia de Rio das Pedras, Beto Bomba está preso desde maio do ano passado após passar quatro meses foragido. As investigações da Intocáveis demonstraram que a quadrilha usava a sede da associação de moradores para negociar imóveis construídos ilegalmente e para cobrar taxas de moradores. Outra acusação contra o ex-dirigente foi receber informações privilegiadas sobre operações policiais no local para alertar os subordinados com antecedência.

Facção conta com informações privilegiadas

O Escritório do Crime se destaca das demais quadrilhas de pistoleiros pelo grau de sofisticação das ações. Seus integrantes jamais usam celulares pessoais, trocando de chip pré-pago do aparelho, constantemente. Outra característica da organização criminosa é planejar com cuidado as ações, mediante levantamento prévio, a partir de informações privilegiadas, para a escolha da melhor oportunidade. A opção geralmente recai sobre áreas sem câmeras de vigilância, pouco movimentadas e próximas à rotas de fuga.

Por serem policiais e ex-PMs, conhecem bem a máquina administrativa e têm uma farta rede de informantes. Seus carros são cuidadosamente escolhidos e adulterados desde seus acessórios até as placas, que são clonadas para confundir o monitoramento por câmeras e despistar eventuais rastreamentos. Após essa etapa de preparo, os criminosos estudam os hábitos e as rotinas das vítimas.

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