No dia 7 de junho, um vídeo causou comoção ao flagrar manifestantes antirracismo derrubando e jogando no rio uma estátua de Edward Colston, um traficante de escravos, em Bristol , na Inglaterra.
No Brasil, a presença de monumentos que homenageiam figuras históricas com um passado de violência étnica também é comum. O portal iG lista cinco
deles.
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No Twitter, um debate intenso sobre como lidar com a preservação da memória do país sem enaltecer algozes
de minoriais etnico-raciais aconteceu.
Confira monumentos que homenageiam algozes racistas
A estátua de Borba-gato está localizada na Avenida Santo Amaro, zona sul de São Paulo. O monumento de 12,5 metros de alturo e cerca de 30 toneladas foi inaugurado em 27 de janeiro de 1963 em homenagem ao bandeirante que dá nome à obra. Borba-gato foi um dos líderes responsáveis por ações violentas e escravização de indígenas e negros. A estátua foi elaborada por Júlio Guerra.
Tiradentes é conhecido como um dos maiores heróis nacional, líder da Inconfidência Mineira foi enforcado. No entanto, Joaqui José da Silva Xavier era dono de 6 escravos em 1792 quandoi foi executado. Sua estátua está localizada em frente ao prédio da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), local onde funcionava a Cadeia Velha em que Tiradentes ficou preso. A estátua faz alusão a um "cristo cívico" por sua contribuição durante a vida.
Anhanguera foi outro bandeirante paulista, responsável por matar, estuprar e escravizar indígenas. O próprio nome "Anhanguera" significa " espírito do mal " na língua ds índios góia. O bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva foi homenageado com o nome de uma importante rodovia e ganhou uma estátua em frente ao Parque Trianon, na Avenida Paulista, em São Paulo.
Monumento às Bandeiras é um dos simbolos da cidade de São Paulo e indica o progresso por meio dos bandeirantes. A caracterísitica que marca a história dos bandeirantes é a violência no processo de exploração do interior de São Paulo, com o assassinato em massa de indígenas ou escravização para catequização. A obra criada por Victor Brecheret está situada na praça Armando Salles de Oliveira, em frente ao Palácio Nove de Julho, sede da Assembléia Legislativa de São Paulo.
A estátua gigantesca da Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo, localizado no pátio do colégio, no centro da capital paulista, retrata uma figura feminina em bronze no topo como a representação de São Paulo, mas abaixo estão esmagados indígenas em trabalho braçal. Os 25 metros de altura da estátua foram esculpidos pelo italiano Amadeo Zani e inaugurada em 1925.
Derrubar é o caminho?
No Twitter, o historiador Laurentino Gomes , autor do livro "Escravidão", se posicionou nas redes sociais dizendo ser contra a destruição destes monumentos que "devem ser preservados como objetos de estudo e reflexão".
Você viu?
O doutor especialista em memória e professor de história da PUC-SP e da Unisa, Luiz Antonio Dias frisa que esta "é uma questão delicada" e defende que seja feito um debate aprofundado.
Dias é vinculado a movimentos sociais e trabalha com um grupo historicamente excluído pois lida, por exemplo, com a políticas de cotas. Ele acredita que "é uma afronta ter uma estátua ou uma memória afetiva, em alguns casos, de pessoas responsáveis pelo tráfico de escravos", afirma.
"Aqui em São Paulo (temos) aquela aberração que é a estátua do Borba-Gato - responsável pela morte e escravização de milhares de negros e, sobretudo, de indígenas e que do ponto de vista estético também é horrível. É uma falta de bom senso", avalia.
Para o historiador, é necessário que seja feito um debate amplo e aprofundado com urbanistas, historiadores, representantes de movimentos sociais e da sociedade civil organizada para retirar as estátuas e fixar memoriais
, como placas, que indiquem de forma correta quem foi a figura histórica homenageada e porque ela foi retirada do local.
"Quando você some com documentos ou imagens é como se você fizesse um apagamento. Se você tira essas imagens, daqui vinte ou trinta anos elas somem da história e não houve um debate. É importante que você substitua e coloque um marco , como uma peça de bronze, explicando que a estátua foi retirada em determinado momento por conta de um movimento da sociedade civil com pressões para alterá-lo. Isso é um processo histórico que faz parte desta memória.", declara Dias.
O professor é contra a destruição dos monumentos históricos, mas defende que eles sejam retirados dos espaços públicos, caso haja consenso entre a sociedade e os especialistas, e remanejados para museus que tratem das questões relativas àquelas peça.
Dias diz ainda que os historiadores que pesquisam memórias opressivas enfrentam dificuldades para tratar desse assunto:"essa questão é sempre política, o herói de hoje pode ser o crápula de amanhã e vice versa".
Neste contexto, o prefessor defende a retirada de monumentos de personalidades que cometeram crimes contra a humanidade, mas que seja explicada a retirada e que em outro momento tal comportamento era mormalizado.
"Quando você pega aquela estátua em Bristol e joga no rio, você faz com que aquela figura desapareça da história, seja apagado. Talvez fosse interessante remover a estátua, derreter ou guardar em um museu, contextualizar
de forma histórica e colocar no local um memória explicando o que tinha ali, mas sem enaltecer aquela figura. É importante promover o debates desses espaços e preservar estes monumentos", explica.
Assim como Dias, a historiadora Adriana Lopes Pereira, especialista em História da África pelo Centro de Estudos Africanos da USP e ex-coordenadora de igualdade racial da Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, defende que memoriais devem ser colocados para instruir a população sobre a verdadeira trajetória dos homenageados.
Para ela, é necessário que a memória seja preservada com a manutenção dos monumentos, mas afirma que mais personalidades negras precisam ser homenageadas para garantir equilibrio.
"Como militante eu consigo compreender que tenhamos a necessidade de apagar da história supostos heróis que, em verdade, foram figuras que sufocaram a cultura africana e afro-brasileira, porém, como historiadora, eu discordo deste movimento, creio que é de suma importância preservar os registros da cidade, capazes de contar nossa história, diz Adriana.
"A retirada de estátuas ou quaisquer monumentos não alterará o passado, serve antes como orientação para que tais atos cometidos por estas personagens não mais ocorram", avalia Adriana que também é diretora do Movimento Negro do Estado de São Paulo.
Para ela, o Brasil é um país que falha constantemente na preservação do passado histórico, com constantes alterações de espaços que deveriam ser mantidos intactos, por isso é necessário que "o pouco que há deve se manter e a história real deve ser lembrada, mesmo sendo triste ou não".
A historiadora argumenta que a destruição de monumentos históricos não altera a história e algozes continuaram a ser homenageados com nomes de ruas e avenidas, além de terem suas histórias contadas em livros de história.
"Qual o caminho? Que utilizemos novas ferramentas que apresentem que o que ele fez foi em outro tempo, deixou marcas que não podem ser repetidas. As imagens devem ser tratadas como são, monumentos que contam nossa história. O que resolve tirarmos a estátua de Pedro Álvares Cabral se ele continuará a ser o descobridor do Brasil? Se Portugal continuará deixando suas marcas na violência da colonização, na mestiçagem", defende .
"Não há possibilidade de voltarmos e fazermos diferente, mas podemos contar a história
de forma diferente em cada monumento visitado e espalhar pela cidade as figuras que ousaram resistir ao sistema imposto para que haja equilíbrio e igualdade entre as raças constituintes de nosso país", complementa.