Carências do sistema de saúde e baixa testagem são alguns dos problemas da região
National Institutes of Health/EPA/Shutterstock
Carências do sistema de saúde e baixa testagem são alguns dos problemas da região

Fora do epicentro do Covid-19 no Brasil, a região Nordeste concentra outros números que trazem preocupação para especialistas em saúde pública: estados com taxa de letalidade acima da média nacional.

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Das nove unidades da Federação que integram a região, em quatro as mortes, proporcionalmente, são mais frequentes do que no conjunto do país. Pesquisadores que conhecem as realidades locais citam indicadores sociais, deficiências nos sistemas de saúde, especificidades etárias e a baixa testagem como fatores que podem explicar a diferença nos dados do novo coronavírus (Sars-Cov-2) em relação ao resto do país.

De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde na quarta-feira (15), o Brasil tem 28.320 casos confirmados de covid-19 e 1.736 mortes, o que representa uma letalidade de 6,1%. No Piauí, por exemplo, o número absoluto de casos não é expressivo – 75 –, mas 8 pessoas já morreram, o que significa um índice de 10,7%. Paraíba (13,9%), Pernambuco (9,6%) e Sergipe (8,7%) também têm taxas superiores às do conjunto do país.

O prognóstico para a região é outro ponto preocupante. Segundo o Consórcio Nordeste , grupo que reúne os governos locais, a projeção é que até o próximo dia 20 os nove estados, juntos, acumulem 8.454 casos da doença, um aumento de cerca de 45% em relação aos números de quarta-feira, o que acendeu um alerta nos gestores da região.

Além da letalidade acima da média nacional, o Piauí também tem menos leitos de UTI do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – segundo o painel do Ministério da Saúde. Em relação ao Piauí, a avaliação é de que, além do baixo número de testes, problemas estruturais históricos e fatores sociais pioram a situação do estado. Por outro lado, medidas de distanciamento social adotadas tanto pelo governo estadual quanto pela prefeitura de Teresina têm inibido um crescimento mais íngreme da curva de contágio.

"A gente tem, como sempre, uma situação crônica e deficiente de estrutura. É recorrente no Brasil, e no Piauí isso é bem evidente. Como um dos estados mais pobres da federação, a gente também imagina que determinantes sociais sejam muito importantes aqui. Esses (os mais pobres) devem ser os alvos, infelizmente os mais atingidos. Quanto mais pressão (na rede hospitalar) estiver ocorrendo, a gente imagina também que vai ser um problema no estado quando (a doença) se manifestar para valer", analisa o professor Osmar de Oliveira Cardoso, pesquisador do Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

A avaliação é corroborada por Leonardo Luz, integrante do Conselho Regional de Medicina no estado: "há uma grande diversidade no grau de assistência à saúde que a população tem no país. A Covid-19 só escancarou a precariedade de condições que a gente tem. No Piauí, já havia déficit crônico de leitos de UTI tanto na rede pública quanto na rede privada. A situação agora só vem agravar esse déficit".

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Há dois hospitais de campanha sendo construídos, ambos em Teresina, que concentra os casos. O objetivo é que o estado saia dos atuais 227 leitos de UTI para cerca de 400.

"Velocidade preocupante"

Em Pernambuco, há 1.484 casos confirmados de Covid-19 e 143 óbitos, o que leva a uma taxa de letalidade de 9,6%. Gestores e especialistas apontam que a elevada taxa de letalidade tem relação com o fato de que o estado faz busca ativa de óbitos causados por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e realiza a testagem.

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"Pernambuco é reconhecido por ter uma vigilância ativa e muito transparente. Pernambuco foi o estado que mais testou Síndrome Respiratória Aguda Grave no Nordeste. Por estar tendo uma vigilância mais ativa, fazendo os testes de maneira mais célere, os casos de óbito têm crescido em proporção diferente de outros estados", afirmou o secretário de saúde de Pernambuco, André Longo.

O gestor tem manifestado seu temor em relação ao aumento do número de casos de Covid-19 no estado. Durante entrevista coletiva, ontem, Longo chamou a atenção para a "velocidade preocupante" do crescimento da curva e pediu que a população intensifique o isolamento social para que o sistema de saúde não entre em colapso.

"A curva está em aceleração com uma velocidade preocupante. O número de casos graves tem mais do que duplicado nas nossas emergências diariamente. Isso pressiona por mais leitos de UTI . Estamos lidando com a ampliação de leitos, só hoje (ontem) temos expectativa de terminar o dia com mais de 50 leitos ofertados à população. Precisamos fazer o dever de casa para que a curva não supere nossa capacidade de ampliação do número de leitos. As pessoas precisam ajudar, se não, é fato que podemos em alguns dias atingir um nível de demanda que supere nossa capacidade de ampliação de leitos", afirma.

A médica sanitarista Lívia Maia, coordenadora do Núcleo de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), corrobora a análise do gestor em relação à eficácia do diagnóstico nos óbitos e pondera que ainda vivemos um momento de subnotificação do número de casos confirmados. Lívia Maia diz ainda que nesse momento não é possível atribuir o alto índice de letalidade a uma questão socioeconômica.

"Se imaginarmos um prédio, os casos estão concentrados no topo, nas classes A e B , mas ainda não desceram para os andares inferiores. Não temos um número expressivo de casos nas classes mais baixas que nos leve a crer que haja um fator socieconômico influenciando na taxa de letalidade. Não tenha dúvidas de que a epidemia vai chegar nas classes mais baixas, mas, nesse momento, isso (as condições socieconômicas da população) não é um fator que contribua para a alta taxa de letalidade", aponta.

Morosidade no diagnóstico

Já na Paraíba um motivo oposto é a explicação principal para a alta taxa de letalidade: a morosidade nos diagnósticos . De acordo com a última atualização do Ministério da Saúde, o estado tem 151 casos confirmados da doença e 21 óbitos. Até a semana passada, havia uma fila de 357 exames no Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen-PB), que é a unidade que presta serviço ao Sistema Único de Saúde no estado para fazer o diagnóstico. Inicialmente, as amostras dos casos suspeitos do estado eram encaminhadas para diagnóstico no Instituto Evandro Chagas, no Pará.

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"O quantitativo de casos confirmados no estado ainda é pequeno, então quando surge qualquer óbito o percentual de letalidade é elevado. No início, tivemos uma dificuldade em relação ao envio dos exames para o Instituto Evandro Chagas no Pará, havia um retardo de envio dos resultados de até 15 dias", argumenta o secretário estadual de Saúde, Geraldo Medeiros.

Na última semana o estado recebeu a validação de cerca de 10 mil testes enviados pelo Ministério da Saúde, o que deve acelerar o processo de testagem na Paraíba. Enquanto isso, o secretário destaca que a população precisa ter consciência da situação e manter o isolamento social. Ele frisa que caso haja um aumento expressivo no número de casos, o estado terá dificuldades.

"Circulei na capital, e a orla estava cheia de gente. Estão relaxando o isolamento e vamos ver o resultado disso no futuro. O estado tem uma rede de leitos privilegiada, o problema é o quantitativo de respiradores. Temos apenas 590 respiradores, mas precisamos de mais para ter uma segurança maior em relação aos potenciais casos. Essas projeções sobre o nordeste nós já tínhamos em função de comparativos com os cenários da Itália, da Espanha, da China, e dos EUA. O pico dessa curva tende a ocorrer a partir do dia 20. Mas acredito que o Brasil se comportará de maneira diferente, em função das dimensões continentais, então teremos picos alternados nos estados. Na Paraíba ainda estamos numa posição confortável, mas claro que estamos preocupados", disse.

De acordo com informações do Ministério da Saúde , a Paraíba tem 1,12 leito de UTI para cada 10 mil habitantes, o que está dentro do padrão recomendado pela Organização Mundial da Saúde ( OMS ).


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