Adilson e uma moradora afetada pelas enchentes
Arquivo pessoal
Adilson e uma moradora afetada pelas enchentes

O técnico de refrigeração Adilson Alves, de 53 anos, saiu de sua casa, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, às 6h30 da manhã desta terça-feira. Só voltou às 19h30, após mais de 12h de trabalho. Poderia ser um dia comum neste ofício, não fosse um detalhe: Adilson não recebeu um centavo por seus serviços. Na noite anterior, ele publicou em seu perfil pessoal no Facebook que atenderia gratuitamente famílias cujas geladeiras tivessem sido danificadas pelas enchentes. O post viralizou e, 24h depois, tinha mais de 9 mil compartilhamentos.

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"Eu estava vendo os danos das chuvas pela TV e me tocou ver como as famílias estão sofrendo por aí. Quando as pessoas falam “perdi tudo”, é roupa, móvel, eletrodoméstico. Mas vi uma geladeirazinha de uma senhora, e ela dizia “tudo que me restou está aqui dentro”. Essa geladeira estava tombada, escangalhada, com os alimentos dentro, e eu pensei: 'caramba, eu sei consertar essa geladeira. Vou fazer uma ação solidária e tirar dois ou três dias para ajudar meus irmãos que estão sofrendo, até porque eu já passei por isso também'", contou.

Adilson se formou como técnico em refrigeração há 35 anos. Desde então, ele se especializou em engenharia ambiental, sanitária e de segurança do trabalho. Trabalha como professor de cursos técnicos em refrigeração e mecânica de máquinas de lavar, presta consultorias e atua também em auditoria e perícia, mas é a seu primeiro ofício que atribui tudo que conquistou. A ideia de trabalhar voluntariamente, diz ele, surgiu do desejo de retribuir a ajuda que já recebeu quando precisou.

"Trabalho com consertos desde 1985, toda a minha formação foi baseada no curso de refrigeração, ele me deu tudo: as engenharias, a auditoria, o magistério, a experiência em perícia. Nos anos 1990, eu, minha mãe, meus irmãos e sobrinhos, uma família de 8 irmãos, perdemos nossa casinha e nossos eletrodomésticos. Nunca morei em área de risco, mas nosso bairro inundava muito quando chovia. Por esse motivo, fiquei com essas lembranças na cabeça. Eu sabia o que as pessoas estavam sentindo do outro lado, e eu vibrava muito quando as pessoas vinham me ajudar. Hoje, eu pude retribuir um pouco desse auxílio que recebi. É troca. Eu tô apenas doando o que eu e minha família recebemos no passado", explicou.

Ao voltar para casa, em vez de descansar, Adilson dividia sua atenção entre a reportagem e a listagem dos endereços que visitaria no dia seguinte. Tanta dedicação fez com que ele sequer percebesse a repercussão de seu gesto de solidariedade.

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"Infelizmente, não tive tempo para parar e olhar isso ainda. O que me assustou foi a quantidade de solicitação de ajuda. São muitas pessoas precisando. Graças a Deus, consertei muitas geladeiras hoje. Infelizmente, algumas não consegui, porque tinham, por exemplo, o compressor queimado, e eu não tinha recurso para comprar aquela peça, que custa de R$ 300 a R$ 500, para essas pessoas. Fiquei com muito dó. Mas eles se propuseram a comprar e eu voltarei para consertar para eles", prometeu.

Ao ser avisado que sua publicação já tinha sido replicada milhares de vezes e chegado até a outros estados, ele se espantou. Nos comentários, muitos aproveitavam para avisar amigos em necessidade. Outros solicitavam orçamentos para contratar os serviços de Adilson. A maioria, porém, passava apenas para parabenizá-lo pela atitude.

"Caramba, agora que eu vi! Você é a primeira pessoa a me alertar aqui, não vi que tinha chegado a tanto. Eu nunca tinha passado por isso antes, sempre posto algumas coisas das aulas que dou, alguns amigos comentam, eu acho legal, mas realmente dessa vez é muita coisa. Bacana! Alguns eu até respondi ontem, carinhosamente, que me parabenizaram só por eu ter escrito que ia ajudar. Isso é muito bom, motiva e faz a gente ir com força total para a rua. Ver as famílias recebendo ajuda também é muito gratificante. É muito bom ver os olhos delas brilharem, sem acreditar que é de graça. Hoje mesmo uma senhora me acompanhou até o portão e ainda não acreditava que eu tinha consertado a geladeira dela sem cobrar um centavo sequer. Foi muito legal. O que a mão direita faz a esquerda não precisa saber", disse.

Apesar de não ligar muito para holofotes, Adilson tem, sim, um desejo: que seus colegas de profissão também se engajem neste movimento para que seja possível ajudar a todos que precisam.

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"Sei que já formei muito técnico por aí, e eu gostaria muito que eles também se solidarizassem com esse momento. Eu fui em Mesquita hoje e vi várias lojas que consertam equipamentos de refrigeração, e as pessoas poderiam doar um pouco do seu tempo para ajudar aquelas famílias que estão na pior. Fiz minha parte, mas gostaria que meus amigos técnicos e mecânicos também ajudassem, porque aí a gente conseguiria ajudar todo mundo. Eu não sei se vou atingir 100%, porque há muitas famílias precisando. Mas estou agora aqui em casa listando as famílias que vou visitar amanhã e passarei o dia na rua atendendo", concluiu.

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