Mais de um mês após o início da crise no abastecimento provocada pela substância geosmina, que alterou o gosto e o cheiro da água fornecida pela Cedae, o governador Wilson Witzel anunciou, nesta segunda-feira (10), a demissão do presidente da companhia, Hélio Cabral. Para o lugar dele, optou pelo engenheiro Renato Espírito Santo, que se aposentou em 2017, depois de trabalhar na empresa por 44 anos. No ano passado, Espírito Santo voltou à estatal para comandar a Diretoria de Saneamento e Grande Operação, mas, após dois meses, foi demitido. A saída de Cabral foi antecipada pelo colunista Ancelmo Gois.
A nomeação de Cabral era atribuída a Pastor Everaldo, presidente nacional do PSC, partido de Witzel. Em meio à crise de abastecimento, que já dura 40 dias e contou até com contaminação da estação do Guandu com detergente, na semana passada, o governador chegou a defender mais de uma vez a manutenção do diretor no cargo. Somente agora mudou de ideia.
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"A situação ficou insustentável. Todo dia aparecia algo novo. E o Hélio não conseguia comunicar com clareza", disse uma fonte do primeiro escalão do governo. Na sexta-feira, O GLOBO mostrou que, em uma reunião na Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, Cabral e o diretor de Qualidade da Cedae, Sérgio Marques, minimizaram os transtornos causados à população pela geosmina.
Nesta segunda, Witzel publicou uma edição extraordinária no Diário Oficial na qual estipulava para esta terça-feira uma reunião do Conselho de Administração da Cedae para formalizar a troca na direção. A tendência, como de costume, é que a vontade do governador prevaleça, já que o estado é dono de 99,9% das ações da estatal.
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O Conselho de Administração da Cedae é composto por 11 pessoas, incluindo integrantes de diferentes departamentos da empresa, um representante dos acionistas minoritários e um dos empregados. Como atual presidente da estatal, Hélio Cabral também ocupa uma cadeira no conselho.
Segundo o chefe da Casa Civil, André Moura, o currículo de Espírito Santo o credencia para o cargo. "O Espírito Santo começou na Cedae em 1973 e lá ficou até 2017. São mais de 40 anos de experiência na estatal, tendo sido diretor de três áreas diferentes. Foi escolhido pelo currículo e pela trajetória na Cedae".
Se por um lado Espírito Santo foi definido como “competente” e de “opinião forte” por funcionários da companhia, por outro, a escolha do engenheiro é considerada surpreendente, já que há menos de um ano ele deixou um cargo de direção na empresa, no mesmo pacote que resultou na demissão de 54 técnicos.
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Espírito Santo havia assumido a direção de Saneamento e Grande Operação em 25 de janeiro de 2019, num mandato que deveria durar dois anos, mas foi substituído em 23 de março, quando Hélio Cabral decidiu cortar funcionários sob a justificativa de que recebiam altos salários.
"Agora não sabemos por que ele volta. Dentro do governo há situações contraditórias", afirma um funcionário da Cedae, que pediu anonimato, e disse que as demissões do ano passado, na verdade, tiveram cunho político. "A Cedae voltou a ser cabide de emprego por indicação. Ano passado o Helio Cabral pegou todo mundo que considerava de grupos políticos opostos e demitiu sob argumento de alto salário", explica.
O engenheiro entrou na Cedae em 1973 e, como consta na publicação de um exemplar do Jornal da Associação dos Empregados da Cedae, em 1995 fazia parte do Conselho Diretor da companhia. Em 2013, ele entrou com ações na justiça trabalhista contra a Cedae reivindicando pagamento de gratificações. Foram encontradas ao menos cinco processos, incluindo recursos. Em uma das ações, Espírito Santo alegou que exerceu cargo de confiança entre 2008 e 2012.
Funcionários da Cedae ouvidos pelo GLOBO elogiaram seu trabalho. "O Renato é um profissional competente, quadro da empresa, já foi diretor de produção. Mas como é indicação do governador, não sabemos se vai mudar a linha de gestão", explicou Ary Girota, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Água e Esgoto, que definiu a situação e Hélio Cabral como insustentável. "Bancar o Helio Cabral estava causando um desgaste muito grande para o Witzel e até atrapalhando seus planos de privatização".
Outro funcionário da Cedae, que pediu para não ser identificado, disse que "Renato é um bom nome": "É técnico, tem opinião forte e de ação", resumiu. A escolha por um perfil técnico também agradou especialistas.
"Só por ser alguém de carreira eu vejo com bons olhos. A gente prima por aquele que entende da coisa. É muito melhor ter um técnico do que um político no cargo", afirmou Nelson Reis, membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Guandu.
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O professor do Departamento de Engenharia Sanitária da Uerj, Adacto Ottoni, também viu com bons olhos a escolha de um perfil técnico, apesar de deixar claro que não conhece pessoalmente o novo indicado, o que impede maiores comentários.
"A presidência é um cargo político, minha preocupação maior é a garantia da qualidade dos serviços". Já para Sergio Ricardo, presidente do movimento Baía Viva, a crise do saneamento será resolvida apenas com aporte de volumosos investimentos públicos. "Precisamos da retomada dos investimentos públicos em saneamento ambiental, controle e fiscalização rigorosa das fontes de poluição e pelo reflorestamento das bacias hidrográficas fluminenses. Até o momento, infelizmente temos visto o anúncio de falsas soluções caríssimas e insuficientes, que nem de longe resolverão de fato o problema estrutural de insegurança ou vulnerabilidade hídrica que atinge o território fluminense".