A barragem I da Mina Córrego do Feijão, cujo rompimento em Brumadinho (MG) completou um ano neste sábado (25), era a oitava que mais preocupava a Vale. Um sistema interno da mineradora guardava uma lista intitulada "top 10", na qual se elencava as dez estruturas consideradas mais críticas. Todas tinham, segundo a lista, probabilidade de falha "acima do limite de aceitação”.
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O sistema interno foi descoberto no curso das investigações e foi classificado de " caixa-preta da Vale " pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Na última ter ça-feira (21), a instituição denunciou criminalmente 11 empregados da mineradora e cinco da Tüv Süd, empresa alemã que assinou a declaração de estabilidade da barragem de Brumadinho.
A lista das "top 10" foi incluída na denúncia. São estruturas que também tinham sido classificados dentro da "zona de atenção", em outro documento que já havia se tornado público. O topo da lista é ocupado pela Barragem Capitão do Mato, da Mina Capitão do Mato, em Nova Lima (MG). A estrutura está inoperante e com declaração de estabilidade negativa, documento que deve ser apresentado à Agência Nacional de Mineração (ANM) duas vezes ao ano: em março e em setembro. Ele deve ser elaborado por uma empresa auditora contratada pelo empreendedor e é necessário para que cada estrutura possa manter suas atividades.
Na última ocasião, 18 barragens da Vale registraram declaração negativa
. Entre as estruturas que constam na lista "top 10", cinco estão com atestado de estabilidade negativo. Entre elas, as barragens Forquilha I, Forquilha II e Forquilha II, localizadas em Ouro Preto (MG). As três estão entre as estruturas que não passaram no pente-fino realizado após a tragédia de Brumadinho e tiveram seus níveis de emergência elevados para 2 ou 3, o que obriga a mineradora a
realizar a evacuação
de áreas que seriam atingidas no caso de uma ruptura.
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Paralisações
Paralisações não afetaram somente a Vale. ArcellorMittal, Emicon, Usiminas, Mundo Mineração e Minar Mineração também estão entre as mineradoras que possuem barragens interditadas em Minas Gerais por falta de declaração de estabilidade positiva. Em todo o país, são 41 estruturas nesta situação.
O status de cada barragem pode ser facilmente consultado por qualquer cidadão desde a última sexta -feira (24), quando a ANM lançou a versão pública do Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração (SIGBM). Ele mostra, por exemplo, que 17 estruturas estão sem os planos de emergência exigidos pela legislação, o que pode levar a autuação e multa ao empreendedor. Esses planos devem prever a mancha de inundação no caso de um rompimento e as rotas de fuga, entre outros elementos.
Fiscalização
O pente-fino nas estruturas da Vale, após o rompimento ocorrido em 25 de janeiro de 2019, envolveu iniciativas variadas, desde vistorias da ANM até ações de fiscalização do MPMG. Em alguns casos foi cobrada judicialmente a paralisação das atividades. Como resultado, dezenas de barragens ficaram impedidas de operar e, em alguns casos, foram realizadas evacuações de comunidades.
De acordo com a Vale, cerca de 450 famílias ainda estão fora de suas casas, vivendo em hotéis, casas de parentes ou em imóveis alugados pela mineradora . As interrupções dessas estruturas causaram impactos na produção da mineradora. O balanço do terceiro trimestre de 2019, o último divulgado, registra 86,7 milhões de toneladas de minério de ferro. O volume é 17,4% inferior ao mesmo período de 2018. No entanto, na comparação com o segundo trimestre de 2019, houve uma alta de 35,4%. A melhora, segundo a Vale, foi influenciada pela retomada das atividades em algumas barragens. “A produção e as vendas de finos de minério de ferro tiveram um aumento significativo como resultado do progresso contínuo na retomada de operações nos Sistemas Sul e Sudeste e, também, do forte desempenho operacional e da normalização dos embarques no Sistema Norte”, registra o balanço.
Segundo dados solicitados à mineradora pela Agência Brasil , atualmente são 29 estruturas inoperantes. Esse número já foi maior . Por outro lado, não houve alteração na situação das quatro barragens que estão em estado mais delicado: Sul Superior, em Barão de Cocais; Forquilha I e Forquilha III, em Ouro Preto; e B3/B4, em Nova Lima. Elas permanecem no nível de emergência 3, o alerta máximo que significa risco iminente de ruptura.
A preocupação com o impacto de novos rompimentos levou o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e a Advocacia-Geral do Estado a negociarem, em setembro do ano passado, um acordo com a Vale. O objetivo foi estabelecer um processo de revisão dos estudos de dam break de todas as barragens da mineradora situadas em Minas Gerais.
Os estudos descrevem os cenários de uma ruptura hipotética. Conforme o acordo, eles precisarão ser mais detalhados, especificados dentro da mancha de inundação, onde há imóveis residenciais e onde há equipamentos urbanos como escolas, hospitais, presídios, bens culturais. Serão abarcadas 91 estruturas de 22 minas da Vale. Os estudos também deverão ser tornados públicos para dar conhecimento à população e aos órgãos de Estado sobre a real área em perigo na hipótese de um rompimento.
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Alteamento a montante
Boa parte das barragens da Vale que estão paralisadas foram construídas no método de alteamento a montante, o mesmo que era utilizado na estrutura que se rompeu. Este método também está associado à tragédia de Mariana (MG).
No episódio, ocorrido em 2015, 19 pessoas morreram e centenas perderam suas casas após a ruptura de uma barragem da mineradora Samarco, que tem a Vale como uma de suas controladoras ao lado da anglo-australiana BHP Billiton.
Quatro dias após a tragédia de Brumadinho, a Vale anunciou que descaracterizaria 10 barragens a montante. Esse número aumento porque, um mês depois, a descaracterização se tornou obrigatória em Minas Gerais.
Foi sancionada pelo governador mineiro Romeu Zema a Lei Estadual 23.291/2019, que instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens. Ela estabelece que o empreendedor responsável por barragem alteada a montante ter á até três anos para promover a descaracterização.
Em âmbito nacional, a ANM editou uma resolução que também proibiu o método. De acordo com a Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam), 43 estruturas foram enquadradas no dispositivo da Lei Estadual 23.291/2019, das quais 16 são da Vale.
Os cronogramas previstos para cada uma delas já foi recebido. Em alguns casos, os projetos não atenderam o prazo de três anos previsto na legislação e um comitê de especialistas foi criado para discutir essa situação e outras diretrizes a serem estabelecidaspara a descaracterização.
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Para todo esse processo, a Vale anunciou investimento de R$7,1 bilhões. Esse valor está incluído no montante de R$24,1 bilhões que a mineradora estima gastar com os desdobramentos da tragédia de Brumadinho até 2023.