"Eles estão sendo perseguidos porque são o lado mais fraco nessa história em uma tentativa de criminalizar e descredibilizar o trabalho das ONGs." Foi assim que o fotógrafo Victor Affaro, irmão de um dos brigadistas presos em Alter do Chão , no Pará, definiu a situação do familiar. Gustavo de Almeida Fernandes foi detido na última terça-feira (26), junto com outros três voluntários sob suspeita de iniciarem incêndios, com o suposto objetivo de obter vantagens financeiras por meio de doações pelo trabalho de apagar as chamas. Nesta quarta-feira, o Ministério Público Federal considerou o inquérito "insuficiente" quanto aos crimes. Hoje, os quatro envolvidos no caso foram soltos e o delegado responsável pela investigação acabou afastado.
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Em entrevista exclusiva ao iG , Victor contou como estava a situação do irmão e dos demais voluntários da ONG Brigada de Incêndio de Alter do Chão : Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano e Marcelo Aron Cwerner. " Eles foram presos sem ter chance de se defender e foram transferidos para uma cela, só eles quatro. Eles tiveram a cabeça raspada e tiveram que usar uniforme e calçados como se fossem verdadeiros criminosos", afirmou Victor.
A audiência de custódia dos quatro voluntários foi realizada na manhã de quarta-feira (27) e terminou com a manutenção das prisões preventivas. De acordo com o juiz Alexandre Rizzi, da 1ª Vara Criminal de Santarém, o mesmo que autorizou as prisões no dia anterior, a decisão de mantê-los sob custódia foi pela “garantia da ordem pública” e “ante o risco de reiteração criminosa”.
Isso porque a investigação da Polícia Civil do Pará indica que os brigadistas poderiam voltar a provocar incêndios. A decisão só foi revertida na noite desta quinta-feira (28), quando Rizzi decidiu que não havia motivo plausível para manter as prisões e decidiu pela libertação dos envolvidos.
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Para Victor, há, na realidade, uma falta de provas, o que tornaria toda a ação injustificável. "É um caso sinistro porque parece que eles mexeram com uma coisa que é maior que eles. Tem interesses de muitos lados envolvidos nessa história, como a da grilagem de terras, e isso é uma realidade muito dura", lamenta.
Nas redes sociais, a voz que ecoa sobre o assunto é a do professor de educação física Caio Moreno Pereira Romano, irmão do brigadista Victor Pereira Romano. Segundo ele, os quatro brigadistas são vítimas de alguma coisa que eles ainda não sabem nem dizer o que é por conta do voluntariado no combate a incêndios. "Eles arriscavam a vida combatendo o fogo na Amazônia e protegendo a floresta. A gente não sabe nem do que eles estão sendo acusados e eles estão privados de informação e defesa", afirmou Caio em um vídeo divulgado nas redes sociais. João Victor é casado e tem uma filha.
Investigação
Os advogados de defesa dos brigadistas entreram com um pedido de habeas corpus na manhã desta quinta-feira (28) e a análise ficou sob responsabilidade da desembargadora Rosi Maria Gomes de Faria. O delegado José Humberto de Melo, que acusou os ambientalistas, foi afastado do caso . Ele foi substituído pelo diretor da Delegacia Especializada em Meio Ambiente, Waldir Freire.
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Para a Polícia Civil do Pará, há indícios de que a Brigada de Incêndio de Alter do Chão, ligada ao Instituto Aquífero Alter do Chão, teria provocado os incêndios que atingiram mais de 100 hectares da Área de Proteção Ambiental (APA) entre 14 e 17 de setembro.
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As provas utilizadas foram de interceptações telefônicas e imagens de focos de incêndio gravadas pela própria Brigada de Incêndio de Alter do Chão. De acordo com o inquérito da polícia, os voluntários teriam recebido de R$ 300 mil da ONG WWF pela venda de 40 imagens dos incêndios que eles supostamente provocaram.
Por meio de nota, a WWF, de atuação internacional, repudiou a prisão dos brigadistas e criticou a "falta de fundamento das acusações". A entidade também negou que tenha comprado as imagens produzidas pela brigada. "O fornecimento de fotos por qualquer parceiro da organização é inerente à comprovação das ações realizadas, essencial à prestação de contas dos recursos recebidos e sua destinação no âmbito dos Contratos de Parceria Técnico-Financeira", diz a nota.
Ainda de acordo com a ONG, o valor de R$ 70.654,36, que foi repassado integralmente ao Instituto Aquífero Alter do Chão, teve como objetivo viabilizar a aquisição de equipamentos para equipar a brigada e os voluntários estão sendo retaliados por terem denunciado grileiros e loteamentos que ameaçavam áreas de proteção ambiental. "Os integrantes da Brigada fizeram denúncias, levando informações para os investigadores, incluindo imagens de queimadas."
Nesta quinta (28), o Ministério Público Federal pediu à 1ª Vara Criminal da Comarca de Santarém para analisar o inquérito. A ideia é avaliar se as investigações são de competência federal ou estadual, uma vez que já existe uma investigação na Polícia Federal para apurar as queimadas na região. O órgão também já havia pedido à Polícia Civil do Pará, na noite de quarta (27), o acesso total às investigações .
Em um dos trechos das conversas pelas quais Gustavo foi incriminado, ele diz a uma interlocutora desconhecida que ela encontraria "bastante fogo" e que o horizonte estaria "todo embaçado". Para a polícia, esse trecho aponta que as queimadas ocorriam de forma "orquestrada".
Conforme explica Victor, no entanto, a conversa se trata de uma negociação que Gustavo fazia com uma cliente para a qual ele serviria de guia de turismo na região. "Ele é turismólogo e vive fazendo trabalhos paralelos ao voluntariado dele. Ele trabalha para agências, tem uma vida muito simples, mora em uma cabana e está nessa situação há cinco anos", acrescenta o fotógrafo, que alega que o irmão largou uma vida confortável na classe média paulistana para se dedicar à causa ambiental por vocação: "ele tem muita paixão por Alter de Chão".
Acusação de tráfico de drogas
Na decisão do juiz Alexandre Rizzi, Gustavo também é acusado de tráfico de drogas. A conclusão foi tomada com base em um diálogo dele com a namorada em que ele pede que ela abra o portão da garagem para ele entrar com o carro, que estaria "cheio de surpresas".
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Para a polícia, essa seria uma "prova inequívoca" de que Gustavo tinha posse de drogas e outros diálogos ainda mostrariam que ele perguntava para outra pessoa sobre uma balança. Segundo a investigação, essa balança seria usada para fazer a divisão das drogas entre os amigos e colaboradores dele.