Os pesquisadores do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), apresentarão novas evidências sobre a origem do óleo que atingiu o litoral do país nesta quinta-feira (21), durante audiência pública no Senado, em Brasília. Uma terceira imagem de satélite, encontrada na última sexta-feira (15), revela pistas para chegar a um navio suspeito de derramar o óleo no litoral nordestino.
A identidade da provável embarcação que derramou óleo no Nordeste foi definida a partir de imagens do litoral da Paraíba. Os dados registrados por satélite exibem uma mancha de óleo de grande proporção na costa leste nordestina , a 26 km do litoral paraibano, com cerca de 25 km de extensão e 400 metros de largura. O registro do Sentinel-1A, de 19 de julho de 2019, é o principal recurso utilizado pelo laboratório para consolidar as novas pistas.
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A identidade da embarcação ainda não foi divulgada pelos pesquisadores. As características do navio e do itinerário que pode ter causado dano marinho, no entanto, foram adiantadas no site oficial das pesquisas do laboratório. "Temos novas evidências que serão entregues no documento que será apresentado ao Senado. Só iremos revelar o nome da embarcação e a bandeira a qual ele pertence caso sejamos questionados [pelo Legislativo]", assegura o coordenador do LAPIS, Humberto Barbosa, doutor em Ciências do Solo e Sensoriamento Remoto pela Universidade do Arizona, Estados Unidos e professor da UFAL.
O pesquisador apontou, ainda, que a responsabilidade de investigação cabe à Polícia Federal e às autoridades competentes. Atualmente, o navio suspeito segue rota recorrente, vindo da Venezuela com destino a Singapura e, de acordo com informações do laboratório, vai passar mais uma vez pelo litoral brasileiro nos próximos dias.
Manobra atípica levantou suspeitas
Outras imagens já haviam sido identificadas a partir de três satélites - Sentinel 1A, Aqua-Modis e NOAA-20 Viirs -, apontando para uma grande mancha de óleo na costa norte do Nordeste, a 40 km de São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte. Elas foram responsáveis por descartar as suspeitas sobre o navio grego Bouboulina. “Essas evidências estão consolidadas a partir do cruzamento de dados que o laboratório realizou, mas ressalto que tudo tem margem de incerteza. Nossas evidências se tratam de possibilidades a partir de um estudo de informações”, explica Barbosa.
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Segundo informações do LAPIS, o navio costumava fazer o trajeto de um país asiático até a Venezuela, pela África do Sul. As análises sobre a embarcação mostram que o percurso do dia 1º de julho a 13 de agosto foi controverso. O navio suspeito não teria transmitido de forma regular e sem interrupções todas as informações da sua faixa no sistema de identificação utilizado para monitorar embarcações internacionais. Com isso, a embarcação violou o direito marítimo internacional.
A embarcação teria partido de um país da Ásia no dia 1º de julho. O registro sequencial foi registrado na costa norte da América do Sul, com possível parada na altura da Guiana, no dia 28 de julho. O itinerário do navio no oceano Atlântico foi incomum, segundo os pesquisadores do LAPIS, por não ter havido parada em nenhum porto. Uma manobra categorizada como “estranha” foi identificada pelos pesquisadores, indicando mudança de trajetória.
A embarcação deu uma grande volta e aproximou-se do nordeste dos Estados Unidos em 31 de julho, após sair da Guiana. O retorno foi feito pela costa africana, passando por Serra Leoa, no dia 9 de agosto. A chegada ao porto de origem, na Ásia, ocorreu em 13 de agosto.
"O percurso mostra alteração na direção do navio, indicando um comportamento suspeito ou um grande problema mecânico. O percurso mostra alteração na direção do navio, indicando um comportamento suspeito ou um grande problema mecânico. É claro que ainda será necessário aprofundar investigações", informa o boletim disponível na página oficial do laboratório.
O navio possui uma tonelagem bruta duas vezes maior que o Bouboulina. Se confirmada sua relação com o desastre ambiental no Nordeste, esse dado pode justificar as impressionantes seis mil toneladas de óleo já retiradas das praias da região", apontam as informações do portal do laboratório.
Plano de contingência
No último dia 8 de novembro, fragmentos do óleo chegaram pela primeira vez à região Sudeste, atingindo o município de São Mateus, no Norte do Espírito Santo. Para o professor e coordenador do Instituto de Engenharia Ambiental da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Ícaro Moreira, a comoção causada pela aparição da substância em regiões mais ao Sul do Brasil gera um sentimento de que o Nordeste é tratado com descaso pelo governo federal.
“Por conta da demora na implantação do plano de contingência contra as manchas e da falta de transparência, a impressão é que o Nordeste é visto com descaso. O que se diz por aqui, tanto na academia quanto na sociedade, é que por conta do apelo turístico do Rio de Janeiro, por exemplo, só será feito alguma coisa se o petróleo chegar lá", diz Moreira.
Mesmo que muitos moradores tenham ido até as localidades atingidas e as próprias instituições de ensino da região tenham começado a atuar na remoção da substância, Moreira lembra que isso não deveria ser de responsabilidade de nenhum dos dois. "Tudo é muito romantizado e a população não sabe como se proteger nem dar o destinamento adequado ao óleo. Não por culpa dela, mas porque ela vai na cara e na coragem sem saber com o que está lidando", afirma.
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Sobre a polêmica da origem da substância, o professor da UFBA diz que os laboratórios da universidade analisaram várias amostras e a possibilidade de o petróleo ser nacional foi descartada. "Nós coletamos amostras de todo o Nordeste e por meio dos biomarcadores, que são uma espécie de DNA do petróleo, foi confirmado que o material é venezuelano."
Em Pernambuco, as análises de peixes e pescados não indicam presença de hidrocarbonetos, elementos presentes no petróleo. De acordo com o professor do departamento de Biociências da Universidade Federal de Pernambuco, Gilberto Rodrigues, não há certezas quanto à chegada do óleo no sul do Sudeste, como o Rio de Janeiro ou São Paulo. “Como não sabemos as causas do desastre, não há clareza. O que existe são alguns estudos de modelagem, que preveem por meio das correntes marítimas a possibilidade".
O impacto causado pelo óleo na costa nordestina afetou diretamente a geração de renda de marisqueiros e pescadores. “O grande problema da região litorânea hoje é o mangue e as áreas onde são criados os crustáceos, mariscos, ostras e caranguejos. São eles que geram as principais fontes de renda. Na Região Metropolitana do Recife, são ao menos 30 mil pessoas subsistindo da pesca. Elas hoje não tem o que comer, praticamente, desde o impacto ambiental", explica Rodrigues.
Segundo informações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ao todo 675 pontos de toda a costa brasileira já foram atingidas pelo óleo. O estado que lidera no número de locais afetados é a Bahia, com 254 pontos onde a substância já chegou.
O estado é seguido por Sergipe (78), Alagoas (76), Rio Grande do Norte (71), Espírito Santo (61), Pernambuco (51), Ceará (36), Paraíba (19), Maranhão (17) e Piauí (12).