Mais de 30 quilômetros separam os bairros de Cidade Tiradentes e Moema, no extremo leste e zona sul de São Paulo. As barreiras entre esses dois locais, no entanto, não são só geográficas. No primeiro deles, a vida humana dura 23 anos a menos.
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Mais de 12 milhões de pessoas vivem em São Paulo, cidade que tem mais gente que Portugal e Grécia, por exemplo. Essa população vive, em média, até os 70 anos. De acordo com o Mapa da Desigualdade de 2019
, produzido pela Rede Nossa São Paulo
, em Moema - bairro nobre da cidade - vive-se até os 80,6 anos. Enquanto isso, na Cidade Tiradentes
, a população vive em média até os 57,3.
Se Moema é o distrito com melhor indíce de idade ao morrer, é também o último em residentes que se declaram pretos ou pardos, apenas 5,82% da população. Já em Cidade Tiradentes, mais da metade da população é preta ou parda: 56,07%.
Carolina Requena, cientista política e pesquisadora no Centro de Estudos da Metrópole da Universidade de São Paulo (USP), afirma que distritos próximos, principalmente as periferias do extremo leste, têm idades ao morrer parecidas, e que esses índices possuem uma correlação muito forte com a distribuição de renda. “Moema tem uma parte da população que pode comprar itens para garantir a qualidade de vida. Essas pessoas têm condição de comprar serviços de ordem privada, caso não sejam atendidas no serviço público”, explica.
Ainda de acordo com o Mapa da Desigualdade , Moema tem menos Unidades Básicas de Saúde (UBS) do que Cidade Tiradentes, 0,23 e 0,56 a cada dez mil habitantes, respectivamente. No entanto, o bairro da Zona Sul tem 17,99 leitos hospitalares a cada mil habitantes, enquanto Tiradentes tem apenas 0,77.
Em bairros como Moema, a população está mais favorecida pelo serviço público e também tem mais condição financeira de se alimentar de forma saudável ou frequentar academias e bens culturais de forma privada, explica a pesquisadora. “Bairros de renda alta têm qualidade de vida melhor, não só porque tem melhor provisão de bens públicos. Também têm mais arborização, mais acesso a equipamentos de saúde”, acrescenta Requena.
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Além disso, enquanto um morador de Moema não espera nem um dia para realizar uma consulta com um clínico geral, na Cidade Tiradentes o paciente aguarda 10,5 dias para ser atendido. A cientista política explica que saneamento básico e acesso à água na região também impactam na saúde da população. “É cruel, porque são mortes evitáveis”, afirma.
Violência impera
Carolina Requena afirma ainda que o índice não se explica só pela falta de acesso à saúde, pela mortalidade infantil, mortalidade materna ou alto nível de doenças, mas também por mortes por crime. Luzia Gomes Pereira, de 47 anos, mora e trabalha na Cidade Tiradentes há 16. Ela conta que dificilmente tem problemas no acesso à saúde, mas acredita que o pior problema do bairro seja mesmo a violência.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, em 2017, Cidade Tiradentes era o 5º bairro com a maior taxa de homicídios na cidade. O terceiro em latrocínios (roubo seguido de morte). Um levantamento do Instituto Sou da Paz de 2018 mostrou que a delegacia do bairro também era a 7ª com mais ocorrências de estupro.
Enquanto isso, a DP de Campo Belo, em Moema , teve de 1 a 6 ocorrências de homicídios em 2018 e nenhuma de latrocínio. É o 8º entre os dez bairros com menos exposição a crimes violentos em São Paulo. “A lei no Brasil é muito ruim. O pessoal mata, rouba, faz o que quer e amanhã já tá solto, né?”, opina Luzia.
Requena, por sua vez, afirma que a diferença de tempo de vida da população entre os dois bairros deveria ser motivo de preocupação das autoridades. “Como a gente se sente sabendo que em um bairro as pessoas têm a oportunidade de viver até os 80 anos, e em outro, na mesma cidade, não tem chance de viver nem até os 60? Isso não contribui para o pacto social, tem pessoas sendo prejudicadas e pessoas sendo favorecidas”, opina.
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“Sob o mesmo governo, numa das maiores economias do Brasil, num lugar onde existem oportunidades de trabalho, todos os fatores para uma sociedade rica e em progresso, isso não está sendo distribuído de maneira igualitária. Nenhuma desigualdade forte desse tipo pode ser benéfica para uma sociedade”, completa.
Procurada pelo iG , a Prefeitura de São Paulo não se posicionou até a publicação desta reportagem.