Objetivo do mapeamento é produzir conhecimento sobre as necessidades específicas dos moradores e cobrar por políticas públicas
Carlos Eduardo Cardoso / Agência O Dia
Objetivo do mapeamento é produzir conhecimento sobre as necessidades específicas dos moradores e cobrar por políticas públicas

Um censo não oficial, realizado por duas ONGs no Complexo da Maré, descobriu que uma das mais populosas comunidades do Rio tem 3.182 comércios, que empregam 9.371 pessoas. Também identificou e conseguiu oficializar 815 ruas que não constavam nas bases oficiais do município. Desde então, os moradores podem receber correspondências e, com o comprovante de residência em mãos, ficou mais fácil abrir conta em banco e obter crédito.

Leia também: Mais de 200 terras indígenas no país aguardam definição sobre demarcação

O levantamento, feito pela Redes da Maré em parceria com o Observatório de Favelas e o apoio de 16 associações de moradores, foi dividido em três partes e começou em 2011. Já foram concluídos o mapeamento das ruas e o censo de empreendimentos econômicos do Complexo da Maré . No fim do mês serão apresentados os últimos resultados, do recenseamento domiciliar.

Eliana Sousa Silva, fundadora da Redes da Maré e coordenadora-geral do censo, explica que o objetivo do mapeamento é complementar pesquisas oficiais, como o Censo realizado pelo IBGE a cada dez anos, para produzir conhecimento sobre as necessidades específicas dos moradores e, assim, cobrar por políticas públicas.

"É um levantamento que dialoga com os oficiais, pois só nós conseguimos chegar a esse nível de detalhamento. O Censo do IBGE, por exemplo, mapeia quantas crianças estão fora da escola. Nós conseguimos identificar o endereço delas e entender se estão concentradas nessa ou naquela região por alguma razão", diz Eliana.

Leia também: Vídeo mostra homem encapuzado atirando e matando jornalista em Maricá

Qualidade das respostas

Nesta última etapa da pesquisa, foram levantados dados sobre a população, sua distribuição, perfil étnico e religioso, situação fundiária das famílias, nível de escolaridade, condições de saúde e acesso a meios de comunicação e tecnologia, entre outros. Até agora, já se sabe que a comunidade, localizada na Zona Norte do Rio, tem 47.758 mil lares que abrigam 139 mil moradores.

O trabalho foi feito por mais de 80 recenseadores contratados. Todos, à época do censo, eram universitários e moradores da Maré. Os recursos financeiros para realizar a pesquisa foram obtidos por meio de parceiros como Action Aid, Fundação Ford e Banco de Desenvolvimento da América Latina. Foram visitados 92% dos lares da Maré, conforme padrões internacionais de levantamentos censitários.

O professor de geografia Everton Pereira da Silva, de 33 anos, nasceu na Maré e participou das três etapas do censo, como recenseador e coordenador de campo. Ele observa que o fato de o levantamento ser feito por uma organização local, facilita a coleta de informações , melhora a qualidade das respostas e aumenta a precisão dos resultados, em relação a pesquisas oficiais:

"Muitas vezes, o morador teme fornecer dados a pesquisas de órgãos governamentais por medo do tratamento que será dado às informações. Por ser uma instituição local, com décadas de atuação na comunidade, as pessoas confiam que os dados serão mantidos em sigilo e servirão para melhorar a vida dos moradores".

Modelo será aplicado em SP

O levantamento sobre empreendedorismo, por exemplo, identificou a necessidade de melhorar a profissionalização dos moradores para atuar nos segmentos mais fortes na Maré — restaurantes, bares e salões de beleza — e de incentivar a formalização, pois só um quarto dos estabelecimentos tinha CNPJ. A partir disso, a Redes da Maré conseguiu a instalação de um posto do Sebrae na comunidade.

"Não temos uma agência bancária, mas temos uma economia local que pulsa, emprega as pessoas e gera trabalho e renda", comenta Eliana.

Alberto Ribeiro de Oliveira, de 35 anos, tem uma pequena empresa de embalagem de papelão desde 2012. Com auxílio do posto do Sebrae, formalizou o negócio e passou a vender para fora da comunidade. "Comecei produzindo 300 caixas por semana, hoje faço quatro mil por mês".

Leia também: Construção de linhão em território indígena divide opiniões

Em breve, a metodologia do levantamento feito no Complexo da Maré será aplicada em três comunidades em São Paulo. Eliana e outro coordenador do censo na Maré, o geógrafo Dálcio Marinho, foram convidados pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) para ajudar a organizar o censo em Jardim São Remo, Jardim Keralux e Vila Guaraciaba.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!