O decreto que libera a posse de armas de fogo no Brasil, assinado há uma semana pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), fez disparar as buscas por instituições que oferecem cursos de tiro – que se tornaram obrigatórios para aqueles que quiserem ter armas em casa. O site do clube de tiro frequentado por Carlos Bolsonaro (PSL-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filhos do presidente, foi um dos que tiveram aumento vertiginoso no número de acessos.
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Trata-se do Clube de Tiro
.38, uma escola e clube para praticantes de tiro sediada em São José, na região metropolitana de Florianópolis, em Santa Catarina. Segundo levantamento realizado pela Bites Consultoria a pedido da reportagem do iG
, os acessos ao site da instituição frequentada por Carlos e Eduardo Bolsonaro saltaram de 2 mil no mês de setembro para uma projeção de 40,1 mil acessos no mês de janeiro – com picos logo após a assinatura do decreto presidencial.
Concorrentes da instituição também tiveram crescimento no período, mas em patamares bem abaixo do clube visitado pelos irmãos Bolsonaro . A Centaurus Academia, por exemplo, empresa situada em São Paulo, teve crescimento bem mais tímido, passando de 3,9 mil acessos para uma projeção de 4,3 mil no mesmo período.
A reportagem do iG entrou em contato com o Clube de Tiro .38 repetidas vezes desde terça-feira (22) para saber os motivos do crescimento estimado de 2.005% nos acessos e ouviu do atendimento que o procedimento para entrevistas tinha mudado já que, agora, o clube está tendo "bastante procura" e que era necessário enviar as perguntas por e-mail.
Enviadas, as perguntas não foram respondidas e, portanto, ainda não houve confirmação sobre se o crescimento dos acessos na página se reverteram em mais clientes para a empresa.
A hipótese apontada pela Bites Consultoria é de que, tendo em vista a data de assinatura do decreto presidencial sobre posse de armas , o Clube de Tiro .38 possa ter comprado publicidade em sites, principalmente junto ao Google, para que a empresa pudesse canalizar o crescimento da procura pelo tópico.
A teoria ganha força quando constatado que o interesse médio pelo assunto não cresceu na mesma proporção do interesse pela empresa que o vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro e do deputado federal por São Paulo Eduardo Bolsonaro frequentam. Termos como "escola de tiro" e "aula de tiro", analisados a partir da ferramenta Google Trends, tiveram crescimento discreto após o decreto presidencial.
Já o interesse dos brasileiros por armas cresceu robustamente. Através do mesmo levantamento pelo Google Trends, os termos "armas" e "Taurus Armas" tiveram, respectivamente, picos de popularidade de 45% e 100% no dia 15 de janeiro, um dia após o decreto presidencial assinado por Jair Bolsonaro, enquanto o pico de "escola de tiro" e "aula de tiro" foi de apenas 1%.
Outra metodologia utilizada a partir das buscas por esses mesmos termos no Twitter também corroborou essa hipótese. Analisando um período maior de tempo (desde o início de setembro, cerca de um mês antes das eleições 2018), o interesse médio dos internautas pelo tema se manteve numa média abaixo dos mil tweets ao dia.
Os maiores picos de discussão sobre o tema na rede social se deram justamente nos dias 29 de outubro (dia seguinte à eleição de Jair Bolsonaro no segundo turno), ocasião na qual 39 mil pessoas publicaram sobre a compra de armas, e no período entre 15 e 17 de janeiro (logo depois da assinatura do decreto presidencial), em que 45 mil tweets foram publicados, em média, por dia.
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No total, portanto, 457 mil tweets trataram do assunto desde 1º de setembro de 2018 até 21 de janeiro de 2019. Por outro lado, desde setembro, apenas 14,4 mil tweets foram registrados sobre aulas de tiro ou escolas de tiro, quantidade 31,7 vezes menor em relação às armas em si.
Clube de tiro já esteve envolvido em outras polêmicas
Indiretamente beneficiado pelo decreto presidencial, o Clube de Tiro .38 já figurou no noticiário em ocasiões anteriores à assinatura da nova norma para a posse de armas de fogo.
Na primeira delas, o deputado Eduardo Bolsonaro foi flagrado usando passagem aérea do Rio de Janeiro para Florianópolis – comprada com verba da cota parlamentar – para praticar tiros no clube catarinense.
Segundo a legislação que regulamenta o uso dos recursos, a cota é "destinada a custear gastos exclusivamente vinculados ao exercício da atividade parlamentar", ou seja, os deputados federais têm direito de utilizar a verba com a condição de que a viagem seja de interesse público.
O episódio foi revelado pelo jornal Folha de S.Paulo e ainda não foi esclarecido pelo filho de Bolsonaro. À época, em agosto de 2016, um vídeo com a legenda "sessão de desestresse ontem no Clube e Escola de Tiro .38, em São José-SC" foi divulgado em canal no Youtube que leva o nome de Eduardo Bolsonaro. A gravação mostra o parlamentar testando armas no clube de Santa Catarina, vestindo camiseta com a mensagem "Be cool, don't be comunist" ("Seja legal, não seja comunista", em tradução livre). Com uma arma de alto calibre nas mãos, Eduardo fala: "Entra lá em casa...".
Além deste, é possível encontrar numa busca rápida pelo canal no Youtube do deputado pelo menos mais um vídeo em que Eduardo Bolsonaro aparece treinando no Clube de Tiro .38, em Santa Catarina.
Eleito por São Paulo — e reeleito como o deputado estadual mais votado da história —, o filho do presidente Jair Bolsonaro fez viagens frequentes para o litoral catarinense durante o mandato iniciado em 2015.
Como é possível ver no sistema de transparência da Câmara, Eduardo Bolsonaro pediu reembolso para 21 passagens que tinham como origem ou destino Florianópolis e uma cidade vizinha, Navegantes, onde também está localizado um importante aeroporto do estado. Em uma dessas viagens, a passagem foi usada em janeiro, durante o recesso parlamentar. O total da verba gasta com as passagens relativas apenas ao litoral catarinense é de R$ 21 mil.
Além deste episódio, o Clube de Tiro .38 também ganhou projeção nacional quando foi descoberto e confirmado pelos próprios funcionários da empresa que Adélio Bispo de Oliveira, autor do atentado à faca contra Jair Bolsonaro durante à eleição presidencial em Juiz de Fora (MG), frequentou o local apenas dois meses antes de tentar assassinar o novo presidente.
A descoberta foi feita depois que Adélio Bispo fez "check-in" e postou no seu Facebook que esteve no local no dia 5 de julho de 2018. "Ele chegou aqui, fez um cadastro, foi acompanhado, após fazer um cadastro e dar a identidade dele, como todo e qualquer cidadão que vem aqui, por um instrutor para a prática de tiro. Esse instrutor fica junto no momento em que a arma é escolhida. Fica junto a todo instante", explicou uma porta-voz do clube de tiro, à época.
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"Quando chega no clube .38 você faz isso, se cadastra, compra um pacote com munições, armas e um instrutor acompanha. Ele foi só uma vez. Está no nossa sistema. O que consta no sistema é que ele esteve lá para praticar tiros", afirmou Julia Zanata, assessora do clube de tiro . Nessa ocasião, primeiro contato do clube com a reportagem, também foi confirmado que "a última vez que o Eduardo Bolsonaro esteve no clube foi dia 18 de maio. O Carlos, eu lembro que esteve depois disso. Eles são muito amigos do dono do clube", completou.